domingo, setembro 09, 2012

Como a idade passa por nós


Não há grande metafísica nisto. Simplesmente, envelhece-se porque se envelhece; ficamos mais velhos porque ficamos mais velhos. E creio, ainda hoje, que é a única grande sabedoria que vale a pena destacar – aprender a ficar velho, aprender a envelhecer, aprender a aceitar a “vinda da idade”.

O assunto, expliquei já ao leitor, não me mobilizou para lá do aceitável. Na família, sempre se pensou que eu nascera já com uma idade aceitável, preparado para encarar a passagem dos anos com a tranquilidade de um homem maduro que ultrapassou a adolescência sem desejar pôr bombas na rua ou experimentar drogas em Katmandu (falo por ouvir dizer). Não é totalmente verdade: houve sempre um pouco de preguiça a ajudar; e de conformismo, naturalmente. No meu tempo de adolescente deveria, portanto (recordo a sugestão atrasada da minha sobrinha Maria Luísa), ter-me contentado em permanecer naquele estádio puramente animal, praticando râguebi e vigiando as belas de então, que alegravam o limbo de qualquer jovem candidato a um casamento mediano. Não casei. Não envelheci no meio de ruído nem de alegrias familiares. Não constituí, como diz a Pátria inteira, uma família.

O mundo de hoje valoriza a adolescência exactamente pelos mesmos motivos que me levam a colocá-la no seu lugar, apenas no seu lugar, arrumada entre os livros de Walter Scott e os álbuns das primeiras viagens a Espanha. Não vejo que felicidade possa existir da visão de um pobre ser de quinze ou dezasseis anos, condenado a mudanças genéticas e fisiológicas ou a erros fatais de gosto e de penteado. Portanto, não aprendi propriamente a envelhecer, mas a verificar a passagem do tempo, descendo com ele (ou subindo) os degraus da idade, sem dramas nem ilusões românticas. O mundo – isto tudo – mudou muito nos últimos anos e, por vezes, eu sinto-me um plácido reservatório de antiguidades, ou mesmo de velharias. Há, como se sabe, uma diferença entre as duas coisas. Eu fico entre ambas, creio que pairando, aproveitando a vaidade que a velhice não torna escandalosa mas que o bom senso não recomenda – por não ser boa para a saúde.

Também não tenho uma visão romântica sobre a velhice nem sobre o envelhecimento. Somos muitos, demasiados – os velhos. Os meus irmãos explicam-me que isso constitui um desastre para as contas do Estado, para o futuro da pátria e para o bem-estar dos vindouros. Tento dizer-lhes que isso se deve ao mito da eterna juventude muito em voga hoje em dia: pessoas que querem continuar jovens, temendo o envelhecimento. 

in Domingo - Correio da Manhã - 9 Setembro 2012