domingo, agosto 19, 2012

Lições de Economia Política no Minho


A minha sobrinha Maria Luísa desistiu de ir ao Brasil e passou as manhãs das duas primeiras semanas de Agosto (vigiando os filhos e folheando uma pilha de romances) sentada no areal de Moledo. Conseguiu apenas ler alguns dos livros; quanto aos filhos, deixou que eles experimentassem a noção de “livre arbítrio”, tão cara a teólogos e desprezada pela puericultura: sabendo nadar, temendo o perigo como qualquer ser humano, nenhum mal maior podia acontecer-lhes – é a lição de Dona Ester, minha mãe, que passa de geração para geração. A minha presença na praia já não tem o horário de antigamente, quando às dez e meia da manhã o mar do Minho se iluminava o suficiente para podermos falar de “época balnear”. Com o toldo alugado à época, apareço ligeiramente depois dessa hora, para conferir que há coisas que, felizmente, não mudaram ainda. É a felicidade de um conservador.

As férias, este ano, decorrem com tranquilidade. As minhas irmãs anunciaram que não vão ao estrangeiro (elas tinham descoberto a existência de ‘spas’ pelo mundo fora), a maior parte dos meus sobrinhos regressou a Moledo “com a crise”, e Maria Luísa não compra todos os jornais que cabem na sacola de praia.

Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, tem desenvolvido bastante os seus estudos de ciência política – e decretou que, com a crise, regressou algum bom-senso à vida portuguesa. Tento alertá-la para o drama da economia, mas a sua sabedoria minhota não se compadece e acha que “temos de aprender a lição”. Ela tinha visto, na televisão, umas pessoas que se queixavam de que este ano tinham cancelado as suas férias no estrangeiro, e que estavam obrigadas a dividi-las entre um tempo em casa e outro “por aí”, na praia, no campo, nas cidades ou nas províncias.

Dona Elaine é católica; acredita no juízo final e, desconfiando dos economistas, numa espécie de justiça que mais tarde ou mais cedo chega para colocar as coisas no seu devido lugar. De certo modo, fica satisfeita com as coisas da maneira que estão. Ela recorda-se dos tempos de penúria e a mãe testemunhou o racionamento dos tempos da guerra, nos anos quarenta, quando não havia férias pagas.

“O senhor doutor há quanto tempo não vai ao estrangeiro?”, perguntou ela. Tentei explicar-lhe que sou um caso à parte, que a idade só me permite atravessar a fronteira de Valença, que estou de férias há alguns anos, e que Moledo é uma espécie de centro geodésico (com perdão de Vila de Rei) do meu mundo.
“Pois sim”, voltou ela. “Hoje temos bifes de cebolada.”

in Domingo - Correio da Manhã - 19 Agosto 2012