As glórias do passado e os postais ilustrados
Verifico
postais ilustrados de antigamente. É costume, nestes momentos, observar como o
mundo mudou nos últimos cinquenta anos, nos derradeiros sessenta, no século que
abandonámos. Há esquinas de uma praça que já desapareceu, árvores que
sucumbiram ao tempo, ruas que foram substituídas por avenidas onde prédios
modernos foram erguidos para eliminar casarões que se foram transformando em
ruínas – e seria aceitável que um velho minhoto, quase contemporâneo do
‘Titanic’, lamentasse essa transformação. Porém, a experiência e o contacto com
o género humano temperaram esse saudosismo; a par disso, que já não é pouco,
seria impossível imaginar que o mundo não iria transformar-se e erguer as suas
fachadas sobre os escombros de outros séculos.
A
questão está em saber se as coisas ficaram melhor ou pior; “ordinariamente
ficam pior”, como lamentava um dos mais melancólicos personagens de ‘Os Maias’,
mas é preciso fazer justiça aos vindouros da época em que a idade madura
começou a colar-se a nós como uma doença e uma ameaça: eles acreditavam que
havia um papel para cumprirem no futuro, uma arquitectura para substituir os
desenhos de Raul Lino, ou novidades que cumprissem objectivos e sonhos reais.
Por
mim, contentei-me com o desenho das florestas e, mesmo essas, sucumbiram com
incêndios ou casario polvilhado nas encostas do meu velho Minho. Quando o Verão
se aproxima e enxameia de juventude o eremitério de Moledo, limito-me, como o
velho Doutor Homem, meu pai, a considerar que as pessoas fazem escolhas e que
há-de haver uma solução para a tristeza periódica dos portugueses. A minha
sobrinha Maria Luísa enternece-se e, para me contentar, promete que o futuro
trará surpresas felizes; o esforço é notório e fico grato como um paciente a
quem o médico acena com a ablação de um vírus.
Ontem,
a namorada holandesa do meu sobrinho Pedro, chegou dos seus laboratórios (é
bióloga) e visitou-me para saber da saúde do mais velho representante dos
resistentes de Itamaracá, no Pernambuco. Sou eu. Ela supõe que todos os
portugueses colaboraram para expulsar os holandeses do Forte de Orange depois
da batalha dos Guararapes e da saída ordeira do príncipe Maurício de Nassau. Já
lhe expliquei que do nosso patriotismo apenas restam o futebol e as colecções
de postais ilustrados. E as comparações não são ilustres nem lisonjeiras. O
futebol deixa a pátria com febres terçãs; os postais antigos deixam-na
deprimida e saudosa. Não sei o que é pior.
in Domingo - Correio da Manhã - 17 Junho 2012
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