A vantagem da Democracia em Moledo
Há uns anos, a minha sobrinha Maria Luísa ficou chocada quando lhe expliquei, orgulhoso e inconsciente, que Moledo – onde vivo há cerca de vinte anos – era um dos lugares menos democráticos do país. Essa revelação impopular deixou-a consternada. Maria Luísa, que era então a eleitora mais esquerdista da família, suspirou e culpou o retrato do Senhor Dom Miguel, uma das glórias da família (guardado, como o leitor sabe, no casarão de Ponte de Lima), pela sobrevivência de reaccionários a norte do Zêzere e até à fronteira de Valença ou ao Cantábrico. Ora, o príncipe proscrito não tem a ver com o assunto; a democracia é uma novidade na história humana e nem todas as sociedades se regem pelos seus maravilhosos princípios. Ou seja, ainda: o destino final da humanidade não é viver em democracia mas, como repetia o velho Doutor Homem, meu pai, ir sobrevivendo às novidades que prometem a nossa felicidade.
Felizmente que existe democracia – e, por extensão, praias muito mais democráticas. A praia de Moledo tem água fria; o vento do crepúsculo é cortante durante a Primavera e áspero no resto do tempo (tirando seis ou sete tardes de Verão); a ondulação do seu mar, longe de ser amena e acolhedora – como nos bilhetes postais dos trópicos –, é agreste e cai com violência na derradeira rampa de areia; durante a maior parte das manhãs da ‘época balnear’, há uma suavíssima neblina (ou ‘nevoeiro implacável’, segundo os meus sobrinhos) que, beneficiando os entusiastas de paisagens, afasta os que desejam bronzear-se. Esta conjugação de factores bastaria para barrar os portões de Moledo aos veraneantes; mas, ainda assim, há gente que resiste. Ou seja, há quem não se importe de trocar o Algarve tépido, sensualista e mediterrânico pelo clima levemente invernal das manhãs do Verão de Moledo. Há, finalmente, quem não se reúna sob o pavilhão do Grande Verão do sul, quente e democrático, e mantenha o hábito de continuar a enregelar nas praias de Moledo.
Ora, quem é essa gente que bravamente se recusa a juntar-se à multidão? Meia dúzia de amotinados contra a democracia. A democracia impõe a lei da maioria (e nada escrito exige que respeitem as minorias, à parte alguma misericórdia) e a maioria prefere entregar-se aos prazeres dos trópicos ou das praias da moda. Pois se é assim, Moledo é uma praia pouco democrática. Não tem nada do que a maioria das pessoas quer. Cheira a pinhal e a sargaço, ao nevoeiro da Galiza e a bronzeadores antigos. É uma velharia.
Espero, com isto, ter afastado alguns visitantes. Ai de mim, que ainda penso influenciar leitores.
in Domingo - Correio da Manhã - 19 Abril 2009
Felizmente que existe democracia – e, por extensão, praias muito mais democráticas. A praia de Moledo tem água fria; o vento do crepúsculo é cortante durante a Primavera e áspero no resto do tempo (tirando seis ou sete tardes de Verão); a ondulação do seu mar, longe de ser amena e acolhedora – como nos bilhetes postais dos trópicos –, é agreste e cai com violência na derradeira rampa de areia; durante a maior parte das manhãs da ‘época balnear’, há uma suavíssima neblina (ou ‘nevoeiro implacável’, segundo os meus sobrinhos) que, beneficiando os entusiastas de paisagens, afasta os que desejam bronzear-se. Esta conjugação de factores bastaria para barrar os portões de Moledo aos veraneantes; mas, ainda assim, há gente que resiste. Ou seja, há quem não se importe de trocar o Algarve tépido, sensualista e mediterrânico pelo clima levemente invernal das manhãs do Verão de Moledo. Há, finalmente, quem não se reúna sob o pavilhão do Grande Verão do sul, quente e democrático, e mantenha o hábito de continuar a enregelar nas praias de Moledo.
Ora, quem é essa gente que bravamente se recusa a juntar-se à multidão? Meia dúzia de amotinados contra a democracia. A democracia impõe a lei da maioria (e nada escrito exige que respeitem as minorias, à parte alguma misericórdia) e a maioria prefere entregar-se aos prazeres dos trópicos ou das praias da moda. Pois se é assim, Moledo é uma praia pouco democrática. Não tem nada do que a maioria das pessoas quer. Cheira a pinhal e a sargaço, ao nevoeiro da Galiza e a bronzeadores antigos. É uma velharia.
Espero, com isto, ter afastado alguns visitantes. Ai de mim, que ainda penso influenciar leitores.
in Domingo - Correio da Manhã - 19 Abril 2009
<< Home