domingo, março 01, 2009

A maluquice (2)

A ideia é que se fala abundantemente de sexo – isso acontece, diz a minha sobrinha, porque se fala demais do que não se tem e porque as mulheres ‘andam malucas’. Ignoro. A minha relação com o sexo é simpática e prometedora, uma vez que há longos anos que não nos encontramos. Não se trata de uma infelicidade; remetido para o velho eremitério de Moledo e afastado do casarão de Ponte de Lima, aceitando – por vontade própria e sem rezingar – ter a idade de um objecto arqueológico, apenas recordo o perfume das paixões de outros tempos: é um perfume de mimosas na estrada do Minho, o perfume das amoras nos caminhos das serras ou nos arredores das aldeias, ouvindo ao longe a passagem de uma banda de música perdida num adro. O sexo verdadeiro não tem muito a ver com o sexo verdadeiro; é todo feito de recordações, uma penumbra de devassidão e risco cai sobre a nossa vida vinda do passado, onde já nada se perde e onde só as boas coisas se encontram.



Julguei-me apaixonado várias vezes ao longo da vida; para infelicidade das minhas irmãs, que murmuravam qualquer coisa sobre eu “arrumar” o destino, nenhuma delas se prolongou num matrimónio que hoje sirva de consolo e de companhia.



Acompanham-me os livros. Acompanham-me os meus sobrinhos, que preferiam ver-me como um velho anarquista que tivesse passado o melhor tempo da sua juventude colocando bombas à porta de bancos, ou assaltando a tradição da família para que me declarasse democrata e republicano. Acompanham-me os meus contemporâneos que já partiram.



Desiludi uns e diverti outros. Expliquei aos meus sobrinhos que não, que nunca tive uma adolescência revolucionária e barbuda. Há cinquenta anos eu esperava da vida o que ainda hoje acho decente esperar-se: um perfume de mimosas numa estrada do Minho. Era um conservador e sou um conservador, um hibisco que muda de folha na altura certa e que aceita a dádiva da fortuna e da meteorologia. E mal me pronuncio sobre ‘o sexo’. O velho Doutor Homem, meu pai, que não era um moralista, dizia que nos devíamos poupar em doutrina sobre o impalpável porque as coisas são como são, tangíveis. Dão prazer uma vezes e, de outras, servem-nos a dor que já não magoa – que apenas se reconhece como o preço a pagar por tudo o resto. A única coisa que me espanta é o modo como as pessoas – hoje – desconhecem a palavra ‘satisfação’. A Tia Benedita achava que da dúvida se passava à maçonaria, e da maçonaria à devassidão e ao bolchevismo. Pobre senhora. Ela ignorava que a humanidade é capaz de inventar sempre tortura maior para si mesma.



in Domingo - Correio da Manhã - 1 de Março 2009