Liberais de antigamente
Há, na história da família, uma guerra surda que se trava nos corredores da memória sempre que alguém menciona a palavra "liberal". São evocações de outros tempos, que têm dois termos. O primeiro deles em Évora Monte, Maio de 1834, onde se assina a capitulação e se anuncia o fim da guerra civil (uma parte da família menciona como mais importante o facto de o príncipe ter pernoitado em Alvalade ainda aclamado como rei); o segundo, mesmo que poucos o admitam de bom grado, acontece apenas em Agosto de 1938 quando José Joaquim de Sousa Reis, o Remexido, foi fuzilado às escondidas pelas autoridades, apesar do perdão da rainha. Malhas do império. O leitor que entende, entende. O leitor que não entende, pois que procure – porque o essencial está dito se acrescentar que na velha casa dos Homem, em Ponte de Lima, lá permanece, ao fundo de um corredor, uma muito razoável cópia do retrato do senhor D. Miguel (de que a tia Benedita me consagrou guardião, para meu desespero pessoal – na época).
Já se vê como a palavra "liberal" ecoa dentro de paredes. Mas, com as estações do ano, a imprensa de mexericos e o comboio Lisboa-Porto, os Homem tornaram-se "filósofos". Retiro a ignomínia do 'Eusébio Macário', em que Camilo usa a palavra para identificar os que se "adaptam" aos novos tempos sem ferir susceptibilidades e sem se fatigarem à procura de melhores justificações, desde que o baronato ou o sossego estivessem garantidos. No nosso caso, o baronato não veio, felizmente, mas o sossego vivia-se a espaços.
O velho Doutor Homem, meu pai, gostava dos conservadores ingleses e creio que, uma vez por outra, sobretudo quando chovia e as horas dos Clérigos soavam como um arremedo londrino, ele se julgava um eleitor "tory" peregrinando até ao seu clube para ler o 'Telegraph'. Para ele, que já viveu num período em que se tinha esquecido a Concessão de Évora Monte, a palavra "liberal" já não evocava os horrores pressentidos pela Tia Benedita. Ele simpatizava muito com Dr. Miguel Veiga, que tem – no seu escritório da Foz – uma cópia da declaração de D. Pedro assumindo a vitória depois da guerra civil. Nunca se imaginaria que os dois se batessem em duelo. Um e outro pertenceriam à mesma família – mas davam-lhe nomes diferentes.
in Domingo - Correio da Manhã - 2 Novembro 2008
Já se vê como a palavra "liberal" ecoa dentro de paredes. Mas, com as estações do ano, a imprensa de mexericos e o comboio Lisboa-Porto, os Homem tornaram-se "filósofos". Retiro a ignomínia do 'Eusébio Macário', em que Camilo usa a palavra para identificar os que se "adaptam" aos novos tempos sem ferir susceptibilidades e sem se fatigarem à procura de melhores justificações, desde que o baronato ou o sossego estivessem garantidos. No nosso caso, o baronato não veio, felizmente, mas o sossego vivia-se a espaços.
O velho Doutor Homem, meu pai, gostava dos conservadores ingleses e creio que, uma vez por outra, sobretudo quando chovia e as horas dos Clérigos soavam como um arremedo londrino, ele se julgava um eleitor "tory" peregrinando até ao seu clube para ler o 'Telegraph'. Para ele, que já viveu num período em que se tinha esquecido a Concessão de Évora Monte, a palavra "liberal" já não evocava os horrores pressentidos pela Tia Benedita. Ele simpatizava muito com Dr. Miguel Veiga, que tem – no seu escritório da Foz – uma cópia da declaração de D. Pedro assumindo a vitória depois da guerra civil. Nunca se imaginaria que os dois se batessem em duelo. Um e outro pertenceriam à mesma família – mas davam-lhe nomes diferentes.
in Domingo - Correio da Manhã - 2 Novembro 2008
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