Não saber elogiar a mudança
Um dos filhos da minha sobrinha Maria Luísa cometeu as primeiras patifarias da adolescência. Adverti o leitor, em tempo, de que nasci já depois da minha própria adolescência – as etapas da rebeldia juvenil foram-me suaves como o perfume das salas da velha casa portuense dos meus pais. O velho Doutor Homem, meu pai, raramente se incomodava com aquilo que os anos sessenta denominaram “generation gap”, porque supunha – e bem – que quase tudo se resumia a ter maneiras na idade apropriada. O salto de gerações, ou o “abismo de gerações”, também nunca incomodou Dona Ester, minha mãe: ela achava, com uma clareza meridiana e surpreendente, que para nos formar um bom carácter era necessário, antes de mais, afastar-nos dos perigos do sentimentalismo, das pneumonias e bronquites, da asma crónica e das fantasias de uma adolescência prolongada. O resto resolvia-se com um pouco d bom-senso, que não era conveniente delapidar a todo o instante.
A vida familiar dos Homem resumia-se à contabilidade dos presentes nas reuniões familiares obrigatórias à razão de três por ano – uma na Páscoa, outra pelo Natal e uma outra, que com o tempo passou a facultativa, em pleno Verão, organizada para coincidir ligeiramente com o aniversário da Tia Benedita, a matriarca reaccionária do clã. Para felicidade dos participantes, pouco ou nada se mencionavam questões pedagógicas, reduzidas a assuntos de puericultura geral.
Os tempos mudaram, inevitavelmente. O que eram para nós insondáveis segredos da Criação aos quinze e dezasseis anos, são hoje evidências demonstráveis a qualquer criança de dez ou onze. Ao contrário do leitor, que é moderno e acha que o “conhecimento” é um bem absoluto, bom em si mesmo, eu tenho dúvidas. O leitor acha que se devem festejar as mudanças. Eu acho, pelo contrário, que se deve festejar aquilo que nos dá satisfação e acrescenta um pouco de felicidade à nossa vida, que é um pouco aborrecida; nem todas as mudanças fazem parte do caminho onde gostaríamos de nos encontrar.
Fico um pouco barroco, nestes casos. É da idade. Depois dos oitenta, não há grandes novidades que nos comovam – mesmo o filho da minha sobrinha Maria Luísa, apanhado em desobediência e prevaricação, não constitui inovação especial na minha galeria de conhecimentos. Estava escrito.
in Domingo – Correio da Manhã – 6 Abril 2008
A vida familiar dos Homem resumia-se à contabilidade dos presentes nas reuniões familiares obrigatórias à razão de três por ano – uma na Páscoa, outra pelo Natal e uma outra, que com o tempo passou a facultativa, em pleno Verão, organizada para coincidir ligeiramente com o aniversário da Tia Benedita, a matriarca reaccionária do clã. Para felicidade dos participantes, pouco ou nada se mencionavam questões pedagógicas, reduzidas a assuntos de puericultura geral.
Os tempos mudaram, inevitavelmente. O que eram para nós insondáveis segredos da Criação aos quinze e dezasseis anos, são hoje evidências demonstráveis a qualquer criança de dez ou onze. Ao contrário do leitor, que é moderno e acha que o “conhecimento” é um bem absoluto, bom em si mesmo, eu tenho dúvidas. O leitor acha que se devem festejar as mudanças. Eu acho, pelo contrário, que se deve festejar aquilo que nos dá satisfação e acrescenta um pouco de felicidade à nossa vida, que é um pouco aborrecida; nem todas as mudanças fazem parte do caminho onde gostaríamos de nos encontrar.
Fico um pouco barroco, nestes casos. É da idade. Depois dos oitenta, não há grandes novidades que nos comovam – mesmo o filho da minha sobrinha Maria Luísa, apanhado em desobediência e prevaricação, não constitui inovação especial na minha galeria de conhecimentos. Estava escrito.
in Domingo – Correio da Manhã – 6 Abril 2008
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