Elogio da meteorologia
O velho Doutor Homem, meu pai, declarou várias vezes o seu temor em relação aos meteorologistas, a quem acusava de grande parte dos males do Mundo. Creio que isso se devia ao facto de achar que lhe faziam concorrência desleal; ele sempre considerou que o Mundo devia coordenar-se livremente com o clima e o destempero dos elementos e achava o assunto da previsão meteorológica tão desinteressante como o 'Frei Luís de Sousa'. Ao contrário dos barbudos de Kabul, que fuzilaram os meteorologistas porque só Alá (ou Maomé, em sua generosa substituição) pode comandar os destinos da atmosfera, o velho advogado considerava-se totalmente imune em relação às previsões sobre o bom e o mau tempo; limitava-se a viver fora deste Mundo e a andar de guarda-chuva se era Inverno ou a mudar de fato se a Primavera anunciava a inclemência do Verão -mas mandar fuzilar o dr. Anthímio de Azevedo estava completamente fora de causa.
Suponho que esta relação excêntrica com a meteorologia se deveu, em grande parte, ao facto de o seu pai (o meu avô, administrador de quintas no vale do Douro e confidente de Guerra Junqueiro) ter vivido obcecado com as variações climáticas e a possibilidade de granizo fora de época. Hoje em dia, ele seria um céptico em relação ao aquecimento global, mas apenas por conveniência em relação às vindimas tardias. Nesse tempo em que viajava pela velha linha do Douro prestando contas e aconselhando economias (que era o seu remédio para tudo), o granizo a partir de Julho era a pior das desgraças, danificando a parra e as uvas ao mesmo tempo.
A minha sobrinha acha que eu me preocupo com coisas inúteis e aparentemente desnecessárias, como a espada do senhor Dom Miguel ou as desventuras da Tia Benedita durante a República de Afonso Costa. Porém, num mundo de economistas e de gestores, a meteorologia tem uma virtude suplementar: não só passa por ser uma dessas coisas inúteis como, ainda por cima, acerta muito mais previsões do que os economistas. Tento explicar-lhe esta evidência com factos e o historial de desastres nunca previstos pelos economistas, mas ela não se convence. Há nas novas gerações uma vontade que me surpreende – querem segurança nos dados e nas previsões. Mas não sabem distinguir entre meteorologistas e a ciência mais esotérica dos nossos tempos.
in Domingo – Correio da Manhã – 23 Março 2008
Suponho que esta relação excêntrica com a meteorologia se deveu, em grande parte, ao facto de o seu pai (o meu avô, administrador de quintas no vale do Douro e confidente de Guerra Junqueiro) ter vivido obcecado com as variações climáticas e a possibilidade de granizo fora de época. Hoje em dia, ele seria um céptico em relação ao aquecimento global, mas apenas por conveniência em relação às vindimas tardias. Nesse tempo em que viajava pela velha linha do Douro prestando contas e aconselhando economias (que era o seu remédio para tudo), o granizo a partir de Julho era a pior das desgraças, danificando a parra e as uvas ao mesmo tempo.
A minha sobrinha acha que eu me preocupo com coisas inúteis e aparentemente desnecessárias, como a espada do senhor Dom Miguel ou as desventuras da Tia Benedita durante a República de Afonso Costa. Porém, num mundo de economistas e de gestores, a meteorologia tem uma virtude suplementar: não só passa por ser uma dessas coisas inúteis como, ainda por cima, acerta muito mais previsões do que os economistas. Tento explicar-lhe esta evidência com factos e o historial de desastres nunca previstos pelos economistas, mas ela não se convence. Há nas novas gerações uma vontade que me surpreende – querem segurança nos dados e nas previsões. Mas não sabem distinguir entre meteorologistas e a ciência mais esotérica dos nossos tempos.
in Domingo – Correio da Manhã – 23 Março 2008
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