Explicar Portugal aos holandeses
O meu sobrinho Pedro recebeu, no final do Verão passado, a visita de uma jovem holandesa. Percebi, ao fim de dois dias – em Moledo o tempo passa lentamente, a não ser que seja Verão –, que Isabelle era a namorada. Este pequeno toque cosmopolita rejuvenesceu uma parte da família, a menos invejosa. Há sempre um tique de inveja quando se entra nos domínios do que foi uma grande família de antigamente, reconduzida aos seus limites de hoje, siderada pelas férias repartidas, pelos terceiros divórcios e pelos empregos temporários. Nada a fazer.
A “pequena holandesa”, como ficou a ser conhecida, julgava que Portugal vivia no tempo do Príncipe Maurício de Nassau, o civilizador de Recife e Itacaré. Quando um estrangeiro depara com um país medianamente civilizado e de “costumes liberais” (o termo é flutuante), nota-se-lhe uma ligeira desilusão. O velho Doutor Homem, meu pai, atribuía essa desilusão ao turismo dos países desenvolvidos, que precisava do exotismo e do oxigénio espiritual que tinha banido dentro das suas fronteiras. O velho Portugal oferecia esses ingredientes com abundância de número e género, e com paisagens que anunciavam bandas de música e coretos em verbenas campestres e provincianas. Ainda hoje só se pode imaginar esse país desaparecido na condição de turista.
Isabelle, a jovem frísia (ela nasceu na ilha de Ameland, na velha Frísia holandesa que escapou às guerras religiosas), não ficou surpreendida com o nosso clima, que conhecia das gazetas meteorológicas, sempre simpáticas quando nos gabam a moderação dos elementos e os Verões pré-tropicais. Ao ouvir falar de um tio-avô que a família considera uma espécie de Matusalém minhoto, ela pensou que o país guardava múmias em boas condições de uso e capazes de invocar o domínio do Pernambuco para pôr os holandeses no sítio. Isso eu poderia fazer (tivemos um antepassado que deixou um braço na batalha de Guararapes, a derradeira etapa da expulsão dos holandeses do Brasil); o que não podia era esconder a suavíssima e tépida imoralidade local, que até no Minho se estende na praia de Moledo. Explicar isto a uma holandesa era desnecessário, porque aos oitenta e cinco anos sei ver quando uma senhora ruboriza.
in Domingo – Correio da Manhã – 16 Março 2008
A “pequena holandesa”, como ficou a ser conhecida, julgava que Portugal vivia no tempo do Príncipe Maurício de Nassau, o civilizador de Recife e Itacaré. Quando um estrangeiro depara com um país medianamente civilizado e de “costumes liberais” (o termo é flutuante), nota-se-lhe uma ligeira desilusão. O velho Doutor Homem, meu pai, atribuía essa desilusão ao turismo dos países desenvolvidos, que precisava do exotismo e do oxigénio espiritual que tinha banido dentro das suas fronteiras. O velho Portugal oferecia esses ingredientes com abundância de número e género, e com paisagens que anunciavam bandas de música e coretos em verbenas campestres e provincianas. Ainda hoje só se pode imaginar esse país desaparecido na condição de turista.
Isabelle, a jovem frísia (ela nasceu na ilha de Ameland, na velha Frísia holandesa que escapou às guerras religiosas), não ficou surpreendida com o nosso clima, que conhecia das gazetas meteorológicas, sempre simpáticas quando nos gabam a moderação dos elementos e os Verões pré-tropicais. Ao ouvir falar de um tio-avô que a família considera uma espécie de Matusalém minhoto, ela pensou que o país guardava múmias em boas condições de uso e capazes de invocar o domínio do Pernambuco para pôr os holandeses no sítio. Isso eu poderia fazer (tivemos um antepassado que deixou um braço na batalha de Guararapes, a derradeira etapa da expulsão dos holandeses do Brasil); o que não podia era esconder a suavíssima e tépida imoralidade local, que até no Minho se estende na praia de Moledo. Explicar isto a uma holandesa era desnecessário, porque aos oitenta e cinco anos sei ver quando uma senhora ruboriza.
in Domingo – Correio da Manhã – 16 Março 2008
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