História de um casamento
A minha sobrinha interroga-se várias vezes sobre aquilo que pensa serem "os mistérios sentimentais" desta família. Eu compreendo. As pessoas não vêm do nada e não se podem mencionar "os mistérios da concepção", da hereditariedade e da passagem de pais a filhos, sem pensarmos na existência dos "mistérios sentimentais". Infelizmente, o "mistério" de maior sucesso nos anais familiares está esclarecido há muitos anos – e é recordado pelo Verão, ocasionalmente, sobretudo se está bom tempo em Agosto e há casamentos nos adros das igrejas.
A Tia Benedita tentou, sem sucesso, transformá-lo numa nota de rodapé das nossas memórias; em vão. Num domingo de 1933, enquanto na casa portuense o velho Doutor Homem, meu pai, assinalava num mapa desdobrado sobre a mesa da sala de jantar os últimos sucessos da Alemanha, que tinham começado no incêndio do Reichstag em Fevereiro, e culminado na crescente popularidade de Hitler, um dos nossos tios partiu para as serras do Minho a fim de roubar uma noiva à porta da igreja.
O caso daria para romance. Nessa época, andava-se a cavalo entre os Arcos e Ponte da Barca, por caminhos escurecidos pelas sombras de mimosas e de carvalhos. Não era o cenário ideal para uma aventura protagonizada por um dos últimos militares da família, quase contemporâneo do bigode Mouzinho e das fardas de Sidónio – mas servia ao propósito. A noiva, como convinha ao cenário, à estação do ano (o Verão) e à figura do tio, era uma prima já afastada que não protestou ao abandonar parte do véu branco durante a fuga, que só terminaria em Espanha. Casaram no Lugo, um dia depois, e regressaram depois à Pátria, que os guardou em silêncio enquanto as famílias se preparavam para aceitar o matrimónio.
Maria Luísa acha que a história requer cores dramáticas e um transe cinematográfico. Infelizmente, vejo-a a esta distância como um suavíssimo filme romântico, cheio daquela música que lembra os domingos de antanho. Os Homem, tirando as aventuras além-fronteiras do Tio Alberto, foram uma família desinteressante, uma família de antigamente.
O meu sobrinho Pedro contou o argumento à sua noiva holandesa. Ela suspirou e, naquele rosto de herdeira calvinista, apareceu o quase imperceptível rubor da moral. Depois do divórcio na hora, ninguém suspeitava que tínhamos sido pioneiros no casamento precedido de fuga.
in Domingo - Correio da Manhã - 27.04.2008
A Tia Benedita tentou, sem sucesso, transformá-lo numa nota de rodapé das nossas memórias; em vão. Num domingo de 1933, enquanto na casa portuense o velho Doutor Homem, meu pai, assinalava num mapa desdobrado sobre a mesa da sala de jantar os últimos sucessos da Alemanha, que tinham começado no incêndio do Reichstag em Fevereiro, e culminado na crescente popularidade de Hitler, um dos nossos tios partiu para as serras do Minho a fim de roubar uma noiva à porta da igreja.
O caso daria para romance. Nessa época, andava-se a cavalo entre os Arcos e Ponte da Barca, por caminhos escurecidos pelas sombras de mimosas e de carvalhos. Não era o cenário ideal para uma aventura protagonizada por um dos últimos militares da família, quase contemporâneo do bigode Mouzinho e das fardas de Sidónio – mas servia ao propósito. A noiva, como convinha ao cenário, à estação do ano (o Verão) e à figura do tio, era uma prima já afastada que não protestou ao abandonar parte do véu branco durante a fuga, que só terminaria em Espanha. Casaram no Lugo, um dia depois, e regressaram depois à Pátria, que os guardou em silêncio enquanto as famílias se preparavam para aceitar o matrimónio.
Maria Luísa acha que a história requer cores dramáticas e um transe cinematográfico. Infelizmente, vejo-a a esta distância como um suavíssimo filme romântico, cheio daquela música que lembra os domingos de antanho. Os Homem, tirando as aventuras além-fronteiras do Tio Alberto, foram uma família desinteressante, uma família de antigamente.
O meu sobrinho Pedro contou o argumento à sua noiva holandesa. Ela suspirou e, naquele rosto de herdeira calvinista, apareceu o quase imperceptível rubor da moral. Depois do divórcio na hora, ninguém suspeitava que tínhamos sido pioneiros no casamento precedido de fuga.
in Domingo - Correio da Manhã - 27.04.2008
<< Home