domingo, maio 13, 2012

Lições de Economia e bom relacionamento


Desde Dâmaso de Salcede e, antes dele, uma série de outros portugueses que fizeram boa figura no regime do Constitucionalismo, que se defende a ideia de Portugal se civilizar com denodo e orgulho. Isso implicaria “uma reforma profunda das mentalidades” para que se procedesse à nossa equiparação a países onde não faltam nem a ópera de outrora nem os clubes de cosmopolitas ricos. Em relação a este projecto, o velho Doutor Homem, meu pai, era um céptico insensato e teimoso. Em primeiro lugar, não acreditava numa “reforma das mentalidades”, que lhe parecia um atrevimento de pessoas que não conheciam a sua terra mas estavam desejosas de mudá-la de latitude; depois, achava que o país estava moldado quer à sua pequenez, quer à sua abundância de inveja. Isto explica muito do conservadorismo congénito de uma família que não apreciava exageradamente as mudanças, a que atribuía a maior parte dos incómodos que o género humano atravessa.

Para se fazerem “reformas” são necessários fundos estimáveis – e os ricos portugueses são, geralmente, apegados aos seus cabedais, pela simples razão de serem desconfiados em relação ao Estado e em relação aos seus concidadãos. Sem confiança, como se sabe, não se abrem os cordões à bolsa; o mesmo se passa com um Estado depauperado que passa metade do seu tempo inútil em busca de artimanhas para “cobrar o imposto”, mesmo se ele for injusto.

Grande parte das boas mudanças que houve em Portugal foi realizada apesar do cepticismo de famílias como a nossa. Nós não somos exemplo para quase ninguém: habituámo-nos a café de cevada e a sobremesas austeras; continuamos a mandar o nosso calçado ao sapateiro a fim de aplicar meias-solas; servimos vinho do Porto no fim das refeições principais, mas em cálices que economizam o ‘tawny’ (que é bom e ainda recorda o meu avô, administrador de quintas do Douro); os meus fatos foram feitos de encomenda há vinte anos e admitem trabalhos de restauro quando é necessário; conserva-se na garagem um velho Volvo que já não sabe contar quilómetros pelas modernas autoestradas do Minho; a caneta com que escrevo estas crónicas é uma velha Parker, vetusta e alimentada com tinta que vem semestralmente da mesma papelaria de Caminha; a conta da mercearia é paga com regularidade mensal e Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, não comete exageros. Não contribuímos, portanto, para o crescimento da economia. Mas, seguindo uma orientação antiga que vigorou entre os Homem desde há séculos, também não pedimos grande coisa em troca. É esse o segredo.

in Domingo - Correio da Manhã - 13 Maio 2012