Lições de Economia e bom relacionamento
Desde
Dâmaso de Salcede e, antes dele, uma série de outros portugueses que fizeram
boa figura no regime do Constitucionalismo, que se defende a ideia de Portugal
se civilizar com denodo e orgulho. Isso implicaria “uma reforma profunda das
mentalidades” para que se procedesse à nossa equiparação a países onde não
faltam nem a ópera de outrora nem os clubes de cosmopolitas ricos. Em relação a
este projecto, o velho Doutor Homem, meu pai, era um céptico insensato e
teimoso. Em primeiro lugar, não acreditava numa “reforma das mentalidades”, que
lhe parecia um atrevimento de pessoas que não conheciam a sua terra mas estavam
desejosas de mudá-la de latitude; depois, achava que o país estava moldado quer
à sua pequenez, quer à sua abundância de inveja. Isto explica muito do
conservadorismo congénito de uma família que não apreciava exageradamente as
mudanças, a que atribuía a maior parte dos incómodos que o género humano
atravessa.
Para
se fazerem “reformas” são necessários fundos estimáveis – e os ricos
portugueses são, geralmente, apegados aos seus cabedais, pela simples razão de
serem desconfiados em relação ao Estado e em relação aos seus concidadãos. Sem
confiança, como se sabe, não se abrem os cordões à bolsa; o mesmo se passa com
um Estado depauperado que passa metade do seu tempo inútil em busca de
artimanhas para “cobrar o imposto”, mesmo se ele for injusto.
Grande
parte das boas mudanças que houve em Portugal foi realizada apesar do
cepticismo de famílias como a nossa. Nós não somos exemplo para quase ninguém:
habituámo-nos a café de cevada e a sobremesas austeras; continuamos a mandar o
nosso calçado ao sapateiro a fim de aplicar meias-solas; servimos vinho do
Porto no fim das refeições principais, mas em cálices que economizam o ‘tawny’
(que é bom e ainda recorda o meu avô, administrador de quintas do Douro); os
meus fatos foram feitos de encomenda há vinte anos e admitem trabalhos de
restauro quando é necessário; conserva-se na garagem um velho Volvo que já não
sabe contar quilómetros pelas modernas autoestradas do Minho; a caneta com que
escrevo estas crónicas é uma velha Parker, vetusta e alimentada com tinta que
vem semestralmente da mesma papelaria de Caminha; a conta da mercearia é paga
com regularidade mensal e Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo,
não comete exageros. Não contribuímos, portanto, para o crescimento da
economia. Mas, seguindo uma orientação antiga que vigorou entre os Homem desde
há séculos, também não pedimos grande coisa em troca. É esse o segredo.
in Domingo - Correio da Manhã - 13 Maio 2012
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