O reino dos telemóveis e a economia
Um dos
meus irmãos (somos cinco) é astrólogo. Enverga a carteira profissional com
denodo e algum desconforto há algumas décadas, provando a qualidade das
palavras de Churchill, para quem a política era a arte de fazer previsões sobre
“os próximos anos” e de passar “os próximos anos” a explicar por que razão as
coisas não se passaram como estava previsto. O leitor já adivinhou que, por
detrás do tom jocoso da primeira frase se esconde outra profissão, afinal, não
menos desconfortável – a de economista.
Raul
foi um dos mais virtuosos navegadores dos últimos oito quilómetros do rio
Minho, tanto como um excelente herdeiro da ciência praticada durante uma vida
inteira pelo nosso avô, administrador de quintas do Douro. Parte da família
(onde eu me encontrava) seguiu os passos do velho Doutor Homem, meu pai,
escolhendo o pachorrento caminho do Direito; outra, aconselhada pelo ruído do
tempo, preferiu o ramo da administração, um pouco à maneira da última geração
dos “bons homens do Porto”. Neste particular, conheço dois exemplos: o meu avô
foi contemporâneo de José Domingues dos Santos e, embora estivessem em
trincheiras desavindas durante a Monarquia do Norte, partilharam afazeres no
Instituto Superior do Comércio no Porto – Domingues dos Santos foi um
extremista da República que passou pelo exílio depois da revolução de Braga; o
meu avô quedou-se pela prática da epistolografia com ingleses do vinho do Douro,
a acrescentar a devaneios peripatéticos com Guerra Junqueiro nos limites de
Barca d’Alva e no horizonte da Quinta da Batoca, diante dos colossos da serra
do Roboredo.
No fim
de semana passado, o meu irmão Raul citou um número qualquer relacionado com o
decréscimo na venda de telemóveis. Isso preocupava-o já não sei a que propósito
(os economistas preocupam-se até ao fim da vida); ripostei que todos os
portugueses, pelo menos, já tinham telemóveis e que não podiam estar,
permanentemente, a trocar de aparelho. Dona Elaine conserva um telefone que
atroa os ares; eu possuo, por desfastio, um que me permite receber telefonemas
e não ler mensagens; apenas os meus sobrinhos mudam periodicamente de
telemóvel, procurando estar a par daquilo que suponho serem “inovações
tecnológicas”. O meu irmão achava a notícia um sinal da crise – eu pensei nela
como o indício de algum juízo. Mas estávamos em lugares opostos. Eu acredito
que não se pode mudar de carro, de telemóvel e de máquina de aparar a relva
todos os anos; ele acredita que o progresso da humanidade segue na direcção do
infinito. E nisto estamos.
in Domingo - Correio da Manhã - 20 Maio 2012
<< Home