A preparação das férias grandes
Nada há de tão comovente como o final do mês de Maio: Dona
Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, inicia aquilo que ela chama “a
instalação das tropas”, o que significa a preparação da casa para a campanha de
Verão, período durante o qual parte da família pretende exercer sobre Moledo
aquilo que as tropas do general Massena julgavam poder cumprir em solo português
para glória de Napoleão. A diferença abissal entre uma e outra ocupação é que
Moledo aceita de bom grado o invasor, até para compensar nove a dez meses de
isolamento e de boa solidão: Julho e Agosto são o território das chamadas
‘férias grandes’, designação hoje fora de moda mas que evoca esse tempo em que
‘a crise económica’ e os deveres do trabalho não implicavam sacrifícios tão
notórios.
Sobrinhos, irmãos, sobrinhos-netos, convidados ocasionais –
eles invadem Moledo para contentamento da memória. Isto acontece com mais
intensidade, digamos, desde que os meus irmãos e irmãs descobriram que as águas
frias do mar do Minho são um incómodo para o Verão; desde o início da década de
noventa, quando Portugal enriqueceu com dinheiro que não nos pertencia, que parte
da família se transformou em turistas estivais, procurando as Caraíbas, o
Brasil ou outras paragens de catálogo. Moledo assistiu, nessa altura, a uma
debandada das suas clientelas tradicionais, que achavam desmiolada a ideia de
avançar para o areal diante da Ínsua munidas de camisola e abafo de lã.
Expliquei, com alguma demora e mais convicção, que as “águas frias” eram um
expoente da civilização, boas para saúde e disciplinadoras para a fraqueza do
espírito. Em vão: depois do Algarve, os portugueses descobriram “o estrangeiro”
e os hotéis com ‘spas’, para onde partiam em busca de repouso e de novidade e
de onde não traziam nem uma coisa nem outra.
Os que ficavam, resistentes inamovíveis, eram a alma do
lugar; havia neles, e há ainda, uma certa religiosidade mitigada pela exposição
solar e pela abundância de biquínis. Tirando a namorada holandesa do meu
sobrinho Pedro (a nossa simpática bióloga da Frísia), que acha a água de Moledo
um expoente dos trópicos, o resto da família manteve o seu período no mar
minhoto como uma espécie de teimosia contra os elementos e as modas
passageiras, decretando que o bronzeado local tinha uma classe que não se
detectava noutras paragens.
Dona Elaine aguarda a turba. A minha sobrinha Maria Luísa
começa a transferir-se, aos poucos, para um Verão que se aproxima a passos
lentos. Eu assisto, enlevado, à repetição do ritual. Sou um conservador.
in Domingo - Correio da Manhã - 3 Junho 2012
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