Eu, o conservador diante da mudança
Para abreviar, a minha sobrinha Maria Luísa acha que um conservador pertence ao jazigo de família – onde, além da Tia Benedita, repousam os restos mortais de avoengos e antepassados que combateram pelo senhor Dom Miguel. Assim sendo, o meu lugar entre os vivos está concedido de empréstimo enquanto não regresso ao lado de lá do mundo – porque “o mundo” é um lugar onde vive gente civilizada que ama o progresso, a informática, a biologia molecular, os casamentos entre homossexuais e o vegetarianismo. Já tentei por várias vezes desiludi-la, reafirmando que o mundo vale pelo combate entre aqueles que acham que vale a pena mudá-lo porque isso dá sentido às suas vidas, e os que acham que a vida há-de ter (ou não) um sentido independentemente das mudanças do mundo. Debalde a informei sobre como era relativa a classificação. A ideia de que um conservador não merece o chão que pisa parece-me altamente valorizada por anos e anos de mudanças na direcção de vários abismos. Há mudanças que são mais perigosas do que a manutenção das coisas como estão; e há pessoas que se recusaram a mudar o mundo por acharem que mais valia esperar que o mundo estivesse disponível para ser mudado. Mas vivemos na era da velocidade – as coisas têm de ser feitas e têm de ser feitas depressa. O que passa, já passou (como o tempo); o que está para vir é já uma concessão, a crédito, ao tempo presente.
Maria Luísa acha que não tento reerguer o muro que separa o jardim do pinhal que ilumina as traseiras da casa de Moledo por puro conservadorismo. Tentei explicar-lhe que não; que era por preguiça. Mas o argumento não colheu e ainda bem: gosto de muros caídos e de pinhais que resistem ao tempo, tal como gosto de um mundo que tem prazer em conservar ruínas e inutilidades. Sou um representante dessa minoria que prefere ser livre a agrilhoar-se a compromissos com o improvável. Não faço juízos sobre a moralidade dos outros, agradecendo que não me obriguem a seguir pelo caminho dos outros. Reconheço que é necessário mudar coisas no mundo – mas sei, pela história dos últimos duzentos ou trezentos anos, que as mudanças bruscas e as revoluções não apenas relembram a triste condição do género humano como se limitaram a substituir uma tirania por outra. E não sou um escolho no meio do “progresso moral” da sociedade; não me incomoda o casamento entre homossexuais, apenas peço que não se transforme em regra essa novidade. Um conservador encolhe os ombros. Vê o movimento dos astros e considera, com largueza, que há coisas que não pode mudar e pronto.
in Domingo - Correio da Manhã - 08 Novembro 2009
Maria Luísa acha que não tento reerguer o muro que separa o jardim do pinhal que ilumina as traseiras da casa de Moledo por puro conservadorismo. Tentei explicar-lhe que não; que era por preguiça. Mas o argumento não colheu e ainda bem: gosto de muros caídos e de pinhais que resistem ao tempo, tal como gosto de um mundo que tem prazer em conservar ruínas e inutilidades. Sou um representante dessa minoria que prefere ser livre a agrilhoar-se a compromissos com o improvável. Não faço juízos sobre a moralidade dos outros, agradecendo que não me obriguem a seguir pelo caminho dos outros. Reconheço que é necessário mudar coisas no mundo – mas sei, pela história dos últimos duzentos ou trezentos anos, que as mudanças bruscas e as revoluções não apenas relembram a triste condição do género humano como se limitaram a substituir uma tirania por outra. E não sou um escolho no meio do “progresso moral” da sociedade; não me incomoda o casamento entre homossexuais, apenas peço que não se transforme em regra essa novidade. Um conservador encolhe os ombros. Vê o movimento dos astros e considera, com largueza, que há coisas que não pode mudar e pronto.
in Domingo - Correio da Manhã - 08 Novembro 2009
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