Meditações geográficas e sentimentais
A geografia é uma ciência reaccionária. A minha sobrinha – contei-o na crónica anterior – gostaria de mudar a posição de Portugal no planisfério para que estivéssemos mais próximos das suas latitudes. Mas não pode. As temperaturas da Senegâmbia não são as mesmas de Francoforte, e isso tem efeitos dramáticos no ritmo de vida. Fazia-nos jeito estar a meia-hora de Paris ou de Londres para efeitos civilizadores, mas, infelizmente, estamos encostados às Berlengas e à Ínsua de Moledo, verdadeiro promontório da minha velha pátria, que é o Minho de antanho, verde e litoral.
O meu Tio Alberto era o grande viajante da família. De cada vez que o recordo sinto-me um minhoto dos Arcos, sitiado diante do Gerês e do Soajo, enfiado num vale de onde nunca se sai a não ser para os braços do Eterno. Abandonando a Pátria a um ritmo sazonal, o Tio Alberto não lutava apenas contra o isolamento – o seu combate era contra os Elementos e contra o Destino. Ele não procurava Paris nem Londres (ao contrário do velho Doutor Homem, meu pai, para quem a cidade do Tamisa era o centro de todas as civilizações, antigas e modernas, pelo menos do seu planisfério, contando que nunca se deixou fascinar por Leptis Magna ou pela travessia do Bósforo): viajava para onde lhe não era permitido nem pela sua educação, nem pelos hábitos dos seus antepassados, nem – convenhamos – pela diplomacia da época. Ele apreciava a velha Pérsia e o Cáspio. Atravessava o Bósforo, justamente, em busca do desconhecido – e regressava ao Minho convencido de que o não encontrara ainda. Buenos Aires, Teerão, Istambul, Helsínquia, os planaltos astecas ou as coroas de algumas expedições pelo Levante: os seus mapas eram obtusos e nunca revelaram uma busca disciplinada, gerida pelo interesse ou pela necessidade; partia ao acaso, aproveitando a sua condição de celibatário, que lhe proporcionava tempo, fundos e liberdade. Apaixonou-se, em vida e creio que para lá da morte, por princesas russas e por mulheres cujo nome ignoro.
A Tia Benedita reprovava o tema e a tentação. Ela acreditava que o sistema solar estava errado e que o centro de todas as gravitações planetárias era Ponte de Lima, com as suas bandas de música, as suas romarias, os seus muros, as suas mimosas, as suas relíquias familiares. Nunca descobri por que razão não parti também eu, celibatário e remediado, à procura do desconhecido. Penso que o forte da Ínsua, coberto de neblina, me impediu de achar que o mundo fosse de uma natureza muito diferente da dos pinhais de Moledo. Não sei.
O meu Tio Alberto era o grande viajante da família. De cada vez que o recordo sinto-me um minhoto dos Arcos, sitiado diante do Gerês e do Soajo, enfiado num vale de onde nunca se sai a não ser para os braços do Eterno. Abandonando a Pátria a um ritmo sazonal, o Tio Alberto não lutava apenas contra o isolamento – o seu combate era contra os Elementos e contra o Destino. Ele não procurava Paris nem Londres (ao contrário do velho Doutor Homem, meu pai, para quem a cidade do Tamisa era o centro de todas as civilizações, antigas e modernas, pelo menos do seu planisfério, contando que nunca se deixou fascinar por Leptis Magna ou pela travessia do Bósforo): viajava para onde lhe não era permitido nem pela sua educação, nem pelos hábitos dos seus antepassados, nem – convenhamos – pela diplomacia da época. Ele apreciava a velha Pérsia e o Cáspio. Atravessava o Bósforo, justamente, em busca do desconhecido – e regressava ao Minho convencido de que o não encontrara ainda. Buenos Aires, Teerão, Istambul, Helsínquia, os planaltos astecas ou as coroas de algumas expedições pelo Levante: os seus mapas eram obtusos e nunca revelaram uma busca disciplinada, gerida pelo interesse ou pela necessidade; partia ao acaso, aproveitando a sua condição de celibatário, que lhe proporcionava tempo, fundos e liberdade. Apaixonou-se, em vida e creio que para lá da morte, por princesas russas e por mulheres cujo nome ignoro.
A Tia Benedita reprovava o tema e a tentação. Ela acreditava que o sistema solar estava errado e que o centro de todas as gravitações planetárias era Ponte de Lima, com as suas bandas de música, as suas romarias, os seus muros, as suas mimosas, as suas relíquias familiares. Nunca descobri por que razão não parti também eu, celibatário e remediado, à procura do desconhecido. Penso que o forte da Ínsua, coberto de neblina, me impediu de achar que o mundo fosse de uma natureza muito diferente da dos pinhais de Moledo. Não sei.
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