Sobre a felicidade que não custa dinheiro
É verdade que o dinheiro é um bem essencial. Mesmo a Tia Benedita, matriarca dos Homem durante muitos anos (continua a ocupar o lugar, de resto), com o seu catolicismo muito anterior ao Vaticano II, não desconhecia Max Weber se bem que nunca o tivesse lido. Nunca foi avara nem gastadora; notava-se nela, apesar do radicalismo ideológico, aquela doce e irritante característica dos Homem: a ‘media res’. A sensatez da vida prática, no fim de contas.
Apesar de termos sido educados no respeito pelo passado e pelos nossos pobres heróis de outrora, o velho Doutor Homem, meu pai, detestava a pompa empertigada da fidalguia das montanhas, que ele associava sempre às tropelias dos nossos antigos e lhe lembrava o senhor marquês de Chaves a cavalgar no meio das feiras, tanto quanto detestava a gente avara e os ricos que não gastavam dinheiro.
Fomos desde cedo, por isso, obrigados a trabalhar para viver condignamente, o que impediu a preguiça exagerada, da mesma forma que nos salvou da ambição desmedida, que ele considerava – com justiça – uma forma de luxúria sem prazer.
A verdade, dizia ele, é que os prazeres mais intensos e duradouros são absolutamente gratuitos e não dependem do forro da nossa bolsa. Relembro hoje, com a velhice minhota a aproximar-se de um novo Outono, que quase nunca paguei um preço excessivo pelas coisas que me deram verdadeiro prazer: um cadeirão na varanda, o perfume das mimosas (doce demais, e enjoativo no Verão), as caminhadas na praia de Moledo, a releitura do ‘Minho Pittoresco’, as torradas de Dona Elaine, as sestas no casarão de Ponte de Lima, a contemplação do crepúsculo ou das noites de Verão, os mexericos de família e os almoços dominicais.
Estas coisas fizeram a minha vida e prolongaram a felicidade dos grandes momentos – uma viagem, um amor de outrora, um vislumbre das coisas que estavam para vir.
Devo a Dona Ester, minha mãe, essa lição de parcimónia. Ela despejava-nos no areal de Afife e dava atenção aos momentos de felicidade que se eternizavam: o calor da areia, a pele bronzeada (que ela considerava um duplo atributo – o de servir para reconhecer uma vida saudável e o que assinalava a beleza da nossa vida), as corridas junto às ondas do mar, os passeios de bicicleta no passeio nublado da Foz do Douro. Não fosse isso e eu teria sido um vulgar burguês do Porto, rendido à contabilidade das coisas comuns e incomuns, das derrotas e das vitórias do meu destino. Com Dona Ester, minha mãe, aprendi o valor das coisas inúteis. Isso salvou-me da desgraça e deixou-me preparado para o futuro.
in Domingo - Correio da Manhã - 30 Agosto 2009
Apesar de termos sido educados no respeito pelo passado e pelos nossos pobres heróis de outrora, o velho Doutor Homem, meu pai, detestava a pompa empertigada da fidalguia das montanhas, que ele associava sempre às tropelias dos nossos antigos e lhe lembrava o senhor marquês de Chaves a cavalgar no meio das feiras, tanto quanto detestava a gente avara e os ricos que não gastavam dinheiro.
Fomos desde cedo, por isso, obrigados a trabalhar para viver condignamente, o que impediu a preguiça exagerada, da mesma forma que nos salvou da ambição desmedida, que ele considerava – com justiça – uma forma de luxúria sem prazer.
A verdade, dizia ele, é que os prazeres mais intensos e duradouros são absolutamente gratuitos e não dependem do forro da nossa bolsa. Relembro hoje, com a velhice minhota a aproximar-se de um novo Outono, que quase nunca paguei um preço excessivo pelas coisas que me deram verdadeiro prazer: um cadeirão na varanda, o perfume das mimosas (doce demais, e enjoativo no Verão), as caminhadas na praia de Moledo, a releitura do ‘Minho Pittoresco’, as torradas de Dona Elaine, as sestas no casarão de Ponte de Lima, a contemplação do crepúsculo ou das noites de Verão, os mexericos de família e os almoços dominicais.
Estas coisas fizeram a minha vida e prolongaram a felicidade dos grandes momentos – uma viagem, um amor de outrora, um vislumbre das coisas que estavam para vir.
Devo a Dona Ester, minha mãe, essa lição de parcimónia. Ela despejava-nos no areal de Afife e dava atenção aos momentos de felicidade que se eternizavam: o calor da areia, a pele bronzeada (que ela considerava um duplo atributo – o de servir para reconhecer uma vida saudável e o que assinalava a beleza da nossa vida), as corridas junto às ondas do mar, os passeios de bicicleta no passeio nublado da Foz do Douro. Não fosse isso e eu teria sido um vulgar burguês do Porto, rendido à contabilidade das coisas comuns e incomuns, das derrotas e das vitórias do meu destino. Com Dona Ester, minha mãe, aprendi o valor das coisas inúteis. Isso salvou-me da desgraça e deixou-me preparado para o futuro.
in Domingo - Correio da Manhã - 30 Agosto 2009
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