domingo, setembro 13, 2009

Teorias políticas para o Outono

Qual a diferença entre setembristas e cartistas? Hoje, ninguém sabe. A minha família viveu, embora de longe, a disputa entre estas duas venerandas figuras “do liberalismo”. Foi na sequência da Concessão de Évora Monte e é um episódio do passado; a minha sobrinha insiste que se trata do “passado remoto”, querendo com isso dizer que todo e qualquer acontecimento anterior à descoberta da anestesia para efeitos odontológicos não passa de uma velharia cujo interesse “é muito relativo”. A História tem fraca utilidade – e, hoje em dia, é muito ultrapassada pela fé, que marca pontos em todos os debates. O Tio Alberto, bibliómano de São Pedro dos Arcos, colocava as lombadas dos tratados de política em relativa proximidade às teodiceias e aos seus fanatismos.

O costume de assistir a “debates pré-eleitorais” deixa a família em estado de letargia absoluta, pela simples razão de que os não vê. Trata-se de um hábito muito saudável sobre o qual se estabeleceram duas práticas igualmente profilácticas. A primeira consiste em escolher o candidato em que se vota antes de a campanha eleitoral, propriamente dita, começar. Isto poupa uma considerável soma de tempo, uma vez que os eleitores da família não têm de se preocupar com os debates televisivos nem com a leitura das notícias sobre as procissões de promessas que decorrem durante o período profano em que o país – em hipótese – decide sobre o seu futuro. A Tia Benedita, guardiã da tradição na família, teria optado por esta hipótese, uma vez que se convencionou que o futuro da pátria é duvidoso desde que o senhor Dom Miguel abandonou os areais de Sines.

A segunda prática é mais radical e creio que teria suscitado o malévolo interesse do velho Doutor Homem, meu pai; trata-se de escolher um governo como adversário, mal ele é empossado. Isso economizaria bastante mais tempo e energias durante este período eleitoral.

Infelizmente, as coisas são como são; a fé suplanta todas as energias da política, que deveriam ser canalizadas para fazer três perguntas essenciais: Vou pagar mais ou menos impostos? O país vai ficar mais ou menos endividado? Estou melhor ou pior do que há quatro anos?

A minha sobrinha considera, com toda a razão, que se trata de perguntas razoavelmente egoístas. Mas a verdade é que naquele espaço exíguo da “cabine de voto” cabe apenas um eleitor de cada vez e não o país inteiro. Portanto, cabe a cada um fazer as perguntas que entender, com inteira liberdade. Tudo o resto será uma chantagem em nome da democracia.

in Domingo - Correio da Manhã - 13 Setembro 2009