Alterações climáticas e felicidade geral
O velho Doutor Homem, meu pai, era um dândi. A acusação não tem nada de mal e, por si só: prende-se com considerações gerais sobre a meteorologia. Nesses anos, dourados pela nostalgia a esta distância, o antigo praticante de bilhar mandava fazer os seus dois fatos de meia-estação quando se aproximavam as temperaturas moderadas de Outubro. Eram, geralmente, copiados dos modelos que chegavam nos retratos do ‘Telegraph’ e nas recomendações do ‘The Sportsman’, uma revista que deixou de existir quando eu comecei a precisar dela.
A meteorologia exigia-o. Entre Setembro e Novembro, coisas suaves aconteciam nos céus e só as geadas das derradeiras semanas de Novembro lembravam a proximidade do Inverno. Até lá, e desde as vindimas – a época em que o meu avô partia para as suas rondas pelas quintas do Douro –, o tempo oscilava, pregava partidas e mostrava a sua excentricidade. O que aconteceu entretanto, nestes anos, não me sugere grandes observações a não ser que às vezes está mais frio e que, de outras, faz abundante calor. Mas o mundo está mais desequilibrado. A minha sobrinha atribui as culpas ao capitalismo em geral e enumera “desastres ambientais” que terão dependido quase exclusivamente dos americanos. Eu lembro-lhe também os chineses e os russos, mas o meu argumento não procede – gostamos de um inimigo próximo e vulnerável. A esta distância, que efeito produzem as críticas em Pequim e em Moscovo? Nenhum.
Mas eu continuo a achar que Moledo continua a viver os seus dias tranquilos, uma espécie de reserva moral e climática da nação e do nosso hemisfério. Os passeios ao longo das dunas, pelo trilho dos pinhais, parecem-me tão saudáveis como há vinte anos; o calor do meio-dia de Verão dá lugar a uma tepidez cheia de pudor que acalma as ondas. Sou pouco dado ao bucolismo – uma herança de família – mas comove-me esse retrato da natureza que muda apesar do capitalismo em geral. Limito-me a achar que a ordem das coisas está bem feita onde a minha sobrinha prevê convulsões terríveis e tragédias iminentes; ela voltou na semana passada da Alemanha, onde apanhou temperaturas negativas. A sua primeira reacção foi achar que tinha “regressado ao seu clima”, este, português e caloroso, próximo de Marrocos. Mas não: logo de seguida lembrou-se das “alterações climáticas” e verifiquei que ela também queria, além de mudar a meteorologia, de mudar a cartografia que atormenta os geógrafos. Colocar o país ao pé do Báltico seria uma grande coisa, acho eu. Felizmente os mapas são como são: está calor em Outubro? Pudera, é Portugal.
in Domingo - Correio da Manhã - 18 Outubro 2009
A meteorologia exigia-o. Entre Setembro e Novembro, coisas suaves aconteciam nos céus e só as geadas das derradeiras semanas de Novembro lembravam a proximidade do Inverno. Até lá, e desde as vindimas – a época em que o meu avô partia para as suas rondas pelas quintas do Douro –, o tempo oscilava, pregava partidas e mostrava a sua excentricidade. O que aconteceu entretanto, nestes anos, não me sugere grandes observações a não ser que às vezes está mais frio e que, de outras, faz abundante calor. Mas o mundo está mais desequilibrado. A minha sobrinha atribui as culpas ao capitalismo em geral e enumera “desastres ambientais” que terão dependido quase exclusivamente dos americanos. Eu lembro-lhe também os chineses e os russos, mas o meu argumento não procede – gostamos de um inimigo próximo e vulnerável. A esta distância, que efeito produzem as críticas em Pequim e em Moscovo? Nenhum.
Mas eu continuo a achar que Moledo continua a viver os seus dias tranquilos, uma espécie de reserva moral e climática da nação e do nosso hemisfério. Os passeios ao longo das dunas, pelo trilho dos pinhais, parecem-me tão saudáveis como há vinte anos; o calor do meio-dia de Verão dá lugar a uma tepidez cheia de pudor que acalma as ondas. Sou pouco dado ao bucolismo – uma herança de família – mas comove-me esse retrato da natureza que muda apesar do capitalismo em geral. Limito-me a achar que a ordem das coisas está bem feita onde a minha sobrinha prevê convulsões terríveis e tragédias iminentes; ela voltou na semana passada da Alemanha, onde apanhou temperaturas negativas. A sua primeira reacção foi achar que tinha “regressado ao seu clima”, este, português e caloroso, próximo de Marrocos. Mas não: logo de seguida lembrou-se das “alterações climáticas” e verifiquei que ela também queria, além de mudar a meteorologia, de mudar a cartografia que atormenta os geógrafos. Colocar o país ao pé do Báltico seria uma grande coisa, acho eu. Felizmente os mapas são como são: está calor em Outubro? Pudera, é Portugal.
in Domingo - Correio da Manhã - 18 Outubro 2009
<< Home