Sobre a modernidade e os mistérios do sexo
De entre as minhas poucas atribuições, ao longo da vida, nunca me calhou ter de reflectir sobre a educação sexual dos mais novos. Não o lamento. O assunto não oferece grande discussão na minha biografia recente, consagrada a envelhecer e, ao mesmo tempo, a manter relações razoáveis e amigáveis com a humanidade que habita nos arredores de Moledo – o que significa que vai além de Tuy e se aproxima da margem direita do Douro.
A Tia Benedita, que só conheceu a minissaia por ouvir dizer (a década de sessenta não foi muito cosmopolita entre os arvoredos e prados de Ponte de Lima), nunca discutiu assuntos morais; limitava-se a viver a sua vida. Já o velho Doutor Homem, meu pai, que era um cidadão discreto e muito ciente do seu terno com guarda-chuva, tinha na sua biografia vastas e prolongadas estadas em Paris e Londres – e se as ilhas britânicas eram a sua referência política para todos os males da pátria, é mais do que provável que pensasse em Paris quando a consciência lhe pedia que fizesse um resumo da sua devassidão.
Hoje, a devassidão deixou de ter aquele tom de subtileza amável que consubstanciava a expressão "vícios privados, públicas virtudes". Sempre me pareceu correcta a ideia de que os vícios teriam, necessariamente, de ser privados; a hipótese de serem praticados em público retirava-lhes não o, digamos, "picante", mas, vá lá, o "carácter". A expressão foi glosada durante as últimas décadas para mostrar que existe – uma descoberta desnecessária – hipocrisia no mundo. Acontece que também acho positiva e saudável a existência de um módico de hipocrisia e de coisas escondidas do comum dos mortais, nossos semelhantes. É isso, justamente, que faz de nós os seres perversos que, com grande felicidade, realmente somos.
A educação sexual nas escolas parece-me uma moda herdeira dos anos de ouro do ié-ié, e é provável que fique. A "modernidade" acha que os velhos nunca ou só raramente falavam de sexo; dá-se a si mesma o crédito de ter descoberto coisas que existiam desde que Adão e Eva experimentaram o pecado. Desde esse momento só temos vindo a aprender, sempre a aprender, nem que seja a arte de fingir que estamos a aprender coisas novas sobre "os mistérios do sexo".
Na verdade não aprendemos nada de realmente novo. Antigamente, estas matérias eram do foro privado, cobertas por manto de hipocrisia – e, melhor ainda, de fantasia. Para o domínio público reservávamos o mais enfadonho de nós mesmos, as virtudes. Era uma grande vida.
In Domingo - Correio da Manhã - 31 Outubro 2010
A Tia Benedita, que só conheceu a minissaia por ouvir dizer (a década de sessenta não foi muito cosmopolita entre os arvoredos e prados de Ponte de Lima), nunca discutiu assuntos morais; limitava-se a viver a sua vida. Já o velho Doutor Homem, meu pai, que era um cidadão discreto e muito ciente do seu terno com guarda-chuva, tinha na sua biografia vastas e prolongadas estadas em Paris e Londres – e se as ilhas britânicas eram a sua referência política para todos os males da pátria, é mais do que provável que pensasse em Paris quando a consciência lhe pedia que fizesse um resumo da sua devassidão.
Hoje, a devassidão deixou de ter aquele tom de subtileza amável que consubstanciava a expressão "vícios privados, públicas virtudes". Sempre me pareceu correcta a ideia de que os vícios teriam, necessariamente, de ser privados; a hipótese de serem praticados em público retirava-lhes não o, digamos, "picante", mas, vá lá, o "carácter". A expressão foi glosada durante as últimas décadas para mostrar que existe – uma descoberta desnecessária – hipocrisia no mundo. Acontece que também acho positiva e saudável a existência de um módico de hipocrisia e de coisas escondidas do comum dos mortais, nossos semelhantes. É isso, justamente, que faz de nós os seres perversos que, com grande felicidade, realmente somos.
A educação sexual nas escolas parece-me uma moda herdeira dos anos de ouro do ié-ié, e é provável que fique. A "modernidade" acha que os velhos nunca ou só raramente falavam de sexo; dá-se a si mesma o crédito de ter descoberto coisas que existiam desde que Adão e Eva experimentaram o pecado. Desde esse momento só temos vindo a aprender, sempre a aprender, nem que seja a arte de fingir que estamos a aprender coisas novas sobre "os mistérios do sexo".
Na verdade não aprendemos nada de realmente novo. Antigamente, estas matérias eram do foro privado, cobertas por manto de hipocrisia – e, melhor ainda, de fantasia. Para o domínio público reservávamos o mais enfadonho de nós mesmos, as virtudes. Era uma grande vida.
In Domingo - Correio da Manhã - 31 Outubro 2010
<< Home