sábado, setembro 11, 2010

Uma teoria sobre as novas gerações (2)

Ao fim de alguns meses de combates e de avanços da “coluna alemã” fui admitido ainda jovem à mesa onde, na velha casa portuense, se decidiam os destinos da II Guerra – o meu avô disputava com o velho Doutor Homem, meu pai, o papel de grande estratega britânico diante do desvario da Europa Central, ocupada pela Alemanha. Ambos eram, pois, “dos ingleses”, o que significava, também em ambos os casos, uma mitomania que só terminaria em meados de 1940, quando a França sucumbia sob o disfarce termal de Vichy e quando o termo ‘Blitzkrieg’ se tornou familiar e significava, antes de mais, a ameaça sobre Inglaterra depois da batalha de Dunquerque. Das Ardenas, primeiro, aos desertos da Líbia e à ocupação africana depois (o nosso vocabulário nunca seria o mesmo depois de termos pronunciado ‘Afrika Korps’, ‘Rommel’ e ‘Raposa do Deserto’), a família discutia com paixão sobre cartas geográficas.

Ser admitido nessas discussões não significava, no entanto, participar activamente nelas. Era necessário um exame prévio que detectasse alguns conhecimentos mínimos de história, de geografia, de armamento e de inglês (o alemão era dispensável, no entender do meu avô, que chorava pelo destino de alguns clientes holandeses que, no Douro, continuavam a produzir vinhos e azeite).

Quando, certo dia, foi necessário compreender a importância de Creta e Malta para o desenrolar das coisas a norte e a sul da faixa do Mediterrâneo, o velho Doutor Homem, meu pai, recomendou-me bibliografia “até para não atrasar as movimentações”. Eu tinha, enfim, compreendido a inevitabilidade dessa preparação. Passei, então, a disputar a leitura dos jornais da casa, sobretudo depois de a Rússia ter entrado nas contas do fantasma de Berlim. Recolhi ao meu quarto (que dividia com um dos meus irmãos) rodeado de mapas, bibliografia e um boné inglês como amuleto.

Contei o episódio, em família, há poucas semanas. As “novas gerações” perceberam que houve uma guerra, exactamente como eu tinha a certeza de ter existido uma Guerra dos Cem Anos, uma Guerra da Independência ou uma batalha de Waterloo. Lá, longe (os franceses estavam-nos atravessados, como a vanguarda da serpente “democrática”). Esse período dramático indispôs-nos contra o desperdício, a ignorância e a leviandade. A vida tinha um peso dramático e cada segundo de vida era vivido romanticamente, como Ingrid Bergman em ‘Casablanca’. O nosso momento podia chegar – e não nos apanharia desprevenidos. Sabíamos tudo sobre a queda de Danzig e a anexação dos Sudetas.

in Domingo - Correio da Manhã - 11 Setembro 2010