Uma teoria sobre as novas gerações (1)
Vejo que, na imprensa, se multiplicam as crónicas assinada por psicólogos preocupados com a educação da mocidade. Uso o termo “mocidade” porque não sei como classificar a escala de idades que vai entre os cinco ou seis e os dezoito anos. De resto, os meus conhecimentos de puericultura e dessa ciência de perfis esotéricos, a pedagogia, resumem-se a quase nada. O velho Doutor Homem, meu pai, tratava os seus filhos com alguma distância, o que significa, para a literatura do género (segundo entendi), alguma frieza. Nunca nos lamentámos muito: na maior parte das noites da semana, depois do jantar, retirava-se para o seu refúgio pessoal (a biblioteca) ou, então, participava nas actividades familiares com alguma relutância. Saía dessa monotonia para as suas partidas semanais de bridge, para as férias de Verão e para os domingos de passeio no Minho.
A minha sobrinha Maria Luísa enfrenta dois pré-adolescentes ruidosos – que Dona Elaine anunciou, por várias vezes, querer vender, a peso e por atacado, na feira de Caminha – que, dizem os especialistas, requerem cada vez mais “diálogo”. Maria Luísa diz que o assunto lhe causa um certo calafrio porque, tirando as conversas sobre como vão os estudos, sobre a vida moderna em geral e sobre a necessidade de tomar banho e escovar os dentes de maneira apropriada, não sabe sobre o que há-de dialogar, não só porque eles se comportam como se comportava o velho Doutor Homem, meu pai (retirando-se para os seus aposentos), mas também porque se recusam a dialogar sobre o que ela, legitimamente, quer dialogar – suponho que sobre assuntos mais interessantes do que jogos de computador.
O tema geral foi tratado, de passagem, durante o almoço do último domingo, com participação de várias gerações que nem por isso ficaram apreensivas, o que é compreensível numa família que se prolongou razoavelmente na escala do século passado sem ter alguma vez pronunciado a palavra “pedagogia”. Na verdade, o que o velho Doutor Homem, meu pai, nos providenciou largamente foi uma enorme disponibilidade para escolhermos os nossos acidentes de percurso – desde que nos apresentássemos à mesa a horas certas e com os cabelos em ordem, estando definido que os trabalhos escolares e a aprovação nos exames eram coisas adquiridas. O meu pai recompensava com displicência e punia sem moralismos, economizando nas coisas supérfluas. Raramente se dispunha a dialogar, embora falasse abundante e largamente connosco – e nos ouvisse como um cavalheiro. Isso significava, apenas, que não estava na disposição de discutir o sistema de travões de uma bicicleta.
in Domingo - Correio da Manhã - 5 Setembro 2010
A minha sobrinha Maria Luísa enfrenta dois pré-adolescentes ruidosos – que Dona Elaine anunciou, por várias vezes, querer vender, a peso e por atacado, na feira de Caminha – que, dizem os especialistas, requerem cada vez mais “diálogo”. Maria Luísa diz que o assunto lhe causa um certo calafrio porque, tirando as conversas sobre como vão os estudos, sobre a vida moderna em geral e sobre a necessidade de tomar banho e escovar os dentes de maneira apropriada, não sabe sobre o que há-de dialogar, não só porque eles se comportam como se comportava o velho Doutor Homem, meu pai (retirando-se para os seus aposentos), mas também porque se recusam a dialogar sobre o que ela, legitimamente, quer dialogar – suponho que sobre assuntos mais interessantes do que jogos de computador.
O tema geral foi tratado, de passagem, durante o almoço do último domingo, com participação de várias gerações que nem por isso ficaram apreensivas, o que é compreensível numa família que se prolongou razoavelmente na escala do século passado sem ter alguma vez pronunciado a palavra “pedagogia”. Na verdade, o que o velho Doutor Homem, meu pai, nos providenciou largamente foi uma enorme disponibilidade para escolhermos os nossos acidentes de percurso – desde que nos apresentássemos à mesa a horas certas e com os cabelos em ordem, estando definido que os trabalhos escolares e a aprovação nos exames eram coisas adquiridas. O meu pai recompensava com displicência e punia sem moralismos, economizando nas coisas supérfluas. Raramente se dispunha a dialogar, embora falasse abundante e largamente connosco – e nos ouvisse como um cavalheiro. Isso significava, apenas, que não estava na disposição de discutir o sistema de travões de uma bicicleta.
in Domingo - Correio da Manhã - 5 Setembro 2010
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