O Zeitgeist em Moledo ou a modernidade
Chegado a esta idade, não tenho energia para explicar a natureza ou o conceito de ‘Zeitgeist’, “espírito do tempo”, que não roubo – em alemão – a Hegel mas a alguém que mo explicou a partir de Hegel. Isso foi há muito tempo, mas a ideia permanece: a de que as ‘coisas’, o pensamento, as atitudes de uma época definem o ‘Zeitgeist’, “espírito do tempo”. O velho Doutor Homem, meu pai, achava que o “espírito do tempo”, qualquer que tivesse ele sido na altura, estava errado e não valia a pena discutir com ele. A atitude é compreensível; desde a Concessão de Évora Monte e o embarque do senhor Dom Miguel, em Sines, que os Homem de todas as latitudes achavam que o mundo estava errado. Hegel era apenas um pormenor que não chegava a ser empecilho. Os Homem sobreviveram muito bem sem o génio de Heidelberga e Berlim, clamando que as terras do Alto Minho tinham filosofia de sobra, e copiosamente.
Ora, “o espírito do tempo” é uma espécie de desculpa redundante para todas as catástrofes dos últimos duzentos anos, do pré-romantismo português aos campos de concentração russos e alemães, do telemóvel à arquitectura de Le Corbusier. Definido “o espírito do tempo”, ai dos que lhe resistem.
Para os optimistas, “o espírito do tempo” é sempre um avanço na procissão do género humano em direcção à felicidade, e o “progresso” é uma espécie de inevitabilidade. Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, desconfia do tema e da conclusão mas, influenciada pelas telenovelas (que traduzem maravilhosamente “o espírito do tempo”), há-de ficar periclitante e será, um dia, capaz de admitir que o amor livre, o fim da família tradicional, a mudança de sexo e os romances mal escritos são etapas desse progresso geral da humanidade.
A minha sobrinha Maria Luísa já achou, em tempos, que o mundo caminhava para a perfeição – mas hoje tem dúvidas. Na semana passada anunciou que a internet era uma invenção útil, tirando o facto de que anda a estupidificar-lhe as crianças. Expliquei, com a cautela de um oficial de diligências, que nem todo o “progresso” é um avanço na direcção da felicidade e que nem todas as mudanças são positivas – raras vezes são úteis, e geralmente são um transtorno que acaba por tornar a vida num inferno.
Foi então que invoquei a existência de um ‘Zeitgeist’, “espírito do tempo”. Os optimistas e eleitores socialistas acham que não podemos fugir-lhe, que temos de nos “actualizar”, ou deixa de haver “progresso”; nós, os cautelosos, temos dúvidas. Estamos habituados a perder.
in Domingo - Correio da Manhã - 26 Setembro 2010
Ora, “o espírito do tempo” é uma espécie de desculpa redundante para todas as catástrofes dos últimos duzentos anos, do pré-romantismo português aos campos de concentração russos e alemães, do telemóvel à arquitectura de Le Corbusier. Definido “o espírito do tempo”, ai dos que lhe resistem.
Para os optimistas, “o espírito do tempo” é sempre um avanço na procissão do género humano em direcção à felicidade, e o “progresso” é uma espécie de inevitabilidade. Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, desconfia do tema e da conclusão mas, influenciada pelas telenovelas (que traduzem maravilhosamente “o espírito do tempo”), há-de ficar periclitante e será, um dia, capaz de admitir que o amor livre, o fim da família tradicional, a mudança de sexo e os romances mal escritos são etapas desse progresso geral da humanidade.
A minha sobrinha Maria Luísa já achou, em tempos, que o mundo caminhava para a perfeição – mas hoje tem dúvidas. Na semana passada anunciou que a internet era uma invenção útil, tirando o facto de que anda a estupidificar-lhe as crianças. Expliquei, com a cautela de um oficial de diligências, que nem todo o “progresso” é um avanço na direcção da felicidade e que nem todas as mudanças são positivas – raras vezes são úteis, e geralmente são um transtorno que acaba por tornar a vida num inferno.
Foi então que invoquei a existência de um ‘Zeitgeist’, “espírito do tempo”. Os optimistas e eleitores socialistas acham que não podemos fugir-lhe, que temos de nos “actualizar”, ou deixa de haver “progresso”; nós, os cautelosos, temos dúvidas. Estamos habituados a perder.
in Domingo - Correio da Manhã - 26 Setembro 2010
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