A chegada do Inverno em Moledo do Minho
Já por várias vezes me interroguei sobre o momento em que começa o Inverno. Os almanaques de antanho providenciavam uma vasta lista de afazeres de Inverno, a que um botânico amador não podia furtar-se. O aquecimento global, a televisão a cores e os discos compactos, a par da educação sexual e das revistas de domingo encarregaram-se de mudar o meu mundo que, se não estava organizado segundo as regras do ‘Borda d’Água’ ou do ‘Seringador’, obedeciam ao privilégio que nesta casa sempre se concedeu a Dona Elaine, a governanta do ermitério de Moledo.
Dona Elaine acredita que lhe cabe um papel preponderante e privilegiado acerca da organização das estações do ano – e tem inteira razão. O Verão não começa em Moledo com a chegada de visitantes para a época balnear e o tépido iodo do Minho – mas quando Dona Elaine decide mudar as ementas de fim-de-semana. Da mesma forma, o Inverno chega a Moledo quando Dona Elaine muda a roupa das camas e decide que temos de nos proteger dos sobressaltos do termómetro. Já tentei explicar-lhe que o higómetro é bem mais útil nestas circunstâncias, mas a velha sabedoria do Minho e das serranias de Cerveira (de onde ela arranca ditados aos penedos mais agrestes, dado ter nascido numa das aldeias do concelho) ainda não se habituou às coisas modernas. Medir a humidade da atmosfera não é com ela. Prefere a menção a um fenómeno regional, “a friagem” – uma leve brisa que vem da foz do Minho e se espalha pelo litoral que se despede da melancolia do Outono.
É aí que começa o Inverno, e não na contiguidade do Natal. Aí é Inverno pleno. O Outono de Moledo é composto daquela poesia de agulhas dos pinhais, de hibiscos derrubados e de canteiros dispostos para receberem – mais tarde – os bolbos permitidos. Merece elegias, sonetos, despedidas, não sobretudos ou chapéus (que já se não usam). Depois, o perfume da lenha acumulada durante o Verão, o primeiro torpor causado pela neblina da tarde. Eu bem recomendo o estudo do higómetro em vez do termómetro, mas em vão. A humidade do ar, as gotículas presas nas folhas das japoneiras não a comovem, porque acha que o Minho é o reino da humidade e dos nevoeiros. Dona Elaine olha, então, para as colchas mais antigas e dispõe-se a mudanças radicais porque “anda aí uma friagem e começam os cieiros”.
Contra estas evidências, Novembro é o mês ideal para as recordações de um velho. A chuva desce pelas valetas e transforma Moledo numa abadia escocesa onde o pregador se ausenta durante a semana, aguardando que ao domingo venha aquela luz amarela tingir as varandas. Ai de nós, amadores de meteorologia.
in Domingo - Correio da Manhã - 29 Novembro 2009
Dona Elaine acredita que lhe cabe um papel preponderante e privilegiado acerca da organização das estações do ano – e tem inteira razão. O Verão não começa em Moledo com a chegada de visitantes para a época balnear e o tépido iodo do Minho – mas quando Dona Elaine decide mudar as ementas de fim-de-semana. Da mesma forma, o Inverno chega a Moledo quando Dona Elaine muda a roupa das camas e decide que temos de nos proteger dos sobressaltos do termómetro. Já tentei explicar-lhe que o higómetro é bem mais útil nestas circunstâncias, mas a velha sabedoria do Minho e das serranias de Cerveira (de onde ela arranca ditados aos penedos mais agrestes, dado ter nascido numa das aldeias do concelho) ainda não se habituou às coisas modernas. Medir a humidade da atmosfera não é com ela. Prefere a menção a um fenómeno regional, “a friagem” – uma leve brisa que vem da foz do Minho e se espalha pelo litoral que se despede da melancolia do Outono.
É aí que começa o Inverno, e não na contiguidade do Natal. Aí é Inverno pleno. O Outono de Moledo é composto daquela poesia de agulhas dos pinhais, de hibiscos derrubados e de canteiros dispostos para receberem – mais tarde – os bolbos permitidos. Merece elegias, sonetos, despedidas, não sobretudos ou chapéus (que já se não usam). Depois, o perfume da lenha acumulada durante o Verão, o primeiro torpor causado pela neblina da tarde. Eu bem recomendo o estudo do higómetro em vez do termómetro, mas em vão. A humidade do ar, as gotículas presas nas folhas das japoneiras não a comovem, porque acha que o Minho é o reino da humidade e dos nevoeiros. Dona Elaine olha, então, para as colchas mais antigas e dispõe-se a mudanças radicais porque “anda aí uma friagem e começam os cieiros”.
Contra estas evidências, Novembro é o mês ideal para as recordações de um velho. A chuva desce pelas valetas e transforma Moledo numa abadia escocesa onde o pregador se ausenta durante a semana, aguardando que ao domingo venha aquela luz amarela tingir as varandas. Ai de nós, amadores de meteorologia.
in Domingo - Correio da Manhã - 29 Novembro 2009
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