Lições de economia e de avareza em geral
Descobri sem surpresa, mas rendido às evidências, que a minha sobrinha Maria Luísa já não espreme a pasta dentífrica pelo meio mas pela base, enrolando-a metodicamente. Nunca tendo acreditado em ‘equivalências morais’ mas confiando no rumo da História, isto corresponderia a acreditar que o dr. Afonso Costa ia – às escondidas – beijar o lausperene da Sé de Braga sob olhar embevecido de D. Rodrigo de Moura Teles, que tinha sido arcebispo da arquidiocese duzentos anos antes.
Os Homem de antigamente eram poupados e minuciosos; amparava-os nisto a certeza de que a vida tem um fim e de que o dinheiro de algum lado vem. Desiludindo a Doutora Filomena Mónica, que me julgava um remanescente temporão da fidalguia minhota, os Homem foram sempre muito ciosos das suas economias – não porque passassem por sovinas, mas porque acreditavam na finitude das coisas e nos princípios da economia doméstica mais básica. Por um breve período, a Tia Benedita achou o dr. Salazar uma espécie de vidente quando anunciou que pretendia aplicar esses princípios às contas da Pátria para lhes acabar com o saldo negativo. O velho Doutor Homem, meu pai, tentou explicar-lhe que uma coisa eram os orçamentos do Estado e que outra eram os modos como as famílias educavam os seus filhos, ensinando-os a poupar os lápis e a barrar de manteiga apenas um dos lados do pão. Nesta matéria, o causídico achava que o antigo lente coimbrão não devia entrar na casa dos portugueses para lhes vigiar os defeitos.
Acontece que factos inocentes e anódinos como esse (o de espremer a pasta dentífrica pela base) são um sinal de ordem e de hábitos morigerados, uma espécie de marco geodésico das velhas virtudes de moderação na economia doméstica. Dona Elaine, a governanta (e salvadora permanente) do eremitério de Moledo, limita-se a servir o meu café de cevada sempre na mesma chávena, com receio de quebrar o hábito e de esbanjar a loiça da casa, da mesma forma que o meu avô escolhia sempre as mesmas botas para empreender as suas viagens ao longo do Douro, visitando os proprietários a quem administrava as quintas e anotava as colheitas. A sua intenção era dar um exemplo de economia dentro de casa e, ao mesmo tempo, mostrar a dois ou três cavalheiros do Pinhão e de Ribatua que a vida não estava para brincadeiras, pedindo-lhes que não se pusessem a fazer reformas de mobiliário antes das vindimas do próximo ano.
Pelo sim, pelo não, adverti a minha sobrinha, não vá ela ficar reaccionária antes de tempo.
in Domingo - Correio da Manhã - 28 Junho 2009
Os Homem de antigamente eram poupados e minuciosos; amparava-os nisto a certeza de que a vida tem um fim e de que o dinheiro de algum lado vem. Desiludindo a Doutora Filomena Mónica, que me julgava um remanescente temporão da fidalguia minhota, os Homem foram sempre muito ciosos das suas economias – não porque passassem por sovinas, mas porque acreditavam na finitude das coisas e nos princípios da economia doméstica mais básica. Por um breve período, a Tia Benedita achou o dr. Salazar uma espécie de vidente quando anunciou que pretendia aplicar esses princípios às contas da Pátria para lhes acabar com o saldo negativo. O velho Doutor Homem, meu pai, tentou explicar-lhe que uma coisa eram os orçamentos do Estado e que outra eram os modos como as famílias educavam os seus filhos, ensinando-os a poupar os lápis e a barrar de manteiga apenas um dos lados do pão. Nesta matéria, o causídico achava que o antigo lente coimbrão não devia entrar na casa dos portugueses para lhes vigiar os defeitos.
Acontece que factos inocentes e anódinos como esse (o de espremer a pasta dentífrica pela base) são um sinal de ordem e de hábitos morigerados, uma espécie de marco geodésico das velhas virtudes de moderação na economia doméstica. Dona Elaine, a governanta (e salvadora permanente) do eremitério de Moledo, limita-se a servir o meu café de cevada sempre na mesma chávena, com receio de quebrar o hábito e de esbanjar a loiça da casa, da mesma forma que o meu avô escolhia sempre as mesmas botas para empreender as suas viagens ao longo do Douro, visitando os proprietários a quem administrava as quintas e anotava as colheitas. A sua intenção era dar um exemplo de economia dentro de casa e, ao mesmo tempo, mostrar a dois ou três cavalheiros do Pinhão e de Ribatua que a vida não estava para brincadeiras, pedindo-lhes que não se pusessem a fazer reformas de mobiliário antes das vindimas do próximo ano.
Pelo sim, pelo não, adverti a minha sobrinha, não vá ela ficar reaccionária antes de tempo.
in Domingo - Correio da Manhã - 28 Junho 2009
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