Os banhos de mar
Aguardo o Verão em Moledo, e sei que ele voltará depois de dobrar a pequena fortaleza da Ínsua até espalhar-se sobre o areal. Por isso mesmo, Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, onde vivo desde os anos oitenta, considera que Maio e Junho são meses de grande provação. Ela refere-se às hordas de visitantes que virão assentar praça nos quartos da casa, distribuindo-se por "uma semana agora, uma semana depois", espalhando haveres pessoais que noutra estação do ano seriam absurdos.
Neste período, ela pede que tome nota das despesas que vêm aí: tradicionalmente entregue à solidão da província, a casa de Moledo transforma-se num acampamento familiar, durante os meses de Julho e Agosto.
Todos os anos se repete o ritual barulhento de uma imigração selvagem que não atemoriza Dona Elaine. Limitada pela minha dieta octogenária, sustentada a torradas matinais e à diminuição gradual de comida de outros tempos, acho que ela anseia pela chegada do Verão para exibir a reserva de receitas guardadas entre as páginas da sua cópia do "Pantagruel", um dos cinco ou seis livros que lhe vi ler durante os últimos vinte anos.
Mas, mesmo no Verão, Moledo é um reduto da província de outrora. O bem mais inestimável continua a ser "o iodo", essa designação miraculosa que tanto se refere ao frio inclemente que vem da praia pelas manhãs, despertando os pinhais, como a própria temperatura da água do mar. Além de mim, só Isabelle, a namorada holandesa do meu sobrinho Pedro – conhecida na família como "a pequena holandesa" – acha as águas de Moledo uma espécie de antecâmara dos trópicos. Ela vem da Frísia natal, e dos mares do Norte; eu venho de décadas de hábitos conservadores. Ambos estamos habituados a esta disciplina climática que conservou a saúde de várias gerações e as impediu de vestir fatos-de-banho fora de época.
A minha sobrinha Maria Luísa raramente nada no mar de Moledo. Mas aprecia bastante que os filhos esbracejem na crista das ondas, verificando por si próprios o que significa um "banho frio", que "faz bem à saúde". Ela justifica-se com os meus argumentos, mas escusa-se a adoptá-los para si própria. As jovens mães de hoje compreendem a necessidade da disciplina e da contrariedade – mas já vão atrasadas para tomarem o caminho da felicidade.
in Domingo - Correio da Manhã - 8 Junho 2008
Neste período, ela pede que tome nota das despesas que vêm aí: tradicionalmente entregue à solidão da província, a casa de Moledo transforma-se num acampamento familiar, durante os meses de Julho e Agosto.
Todos os anos se repete o ritual barulhento de uma imigração selvagem que não atemoriza Dona Elaine. Limitada pela minha dieta octogenária, sustentada a torradas matinais e à diminuição gradual de comida de outros tempos, acho que ela anseia pela chegada do Verão para exibir a reserva de receitas guardadas entre as páginas da sua cópia do "Pantagruel", um dos cinco ou seis livros que lhe vi ler durante os últimos vinte anos.
Mas, mesmo no Verão, Moledo é um reduto da província de outrora. O bem mais inestimável continua a ser "o iodo", essa designação miraculosa que tanto se refere ao frio inclemente que vem da praia pelas manhãs, despertando os pinhais, como a própria temperatura da água do mar. Além de mim, só Isabelle, a namorada holandesa do meu sobrinho Pedro – conhecida na família como "a pequena holandesa" – acha as águas de Moledo uma espécie de antecâmara dos trópicos. Ela vem da Frísia natal, e dos mares do Norte; eu venho de décadas de hábitos conservadores. Ambos estamos habituados a esta disciplina climática que conservou a saúde de várias gerações e as impediu de vestir fatos-de-banho fora de época.
A minha sobrinha Maria Luísa raramente nada no mar de Moledo. Mas aprecia bastante que os filhos esbracejem na crista das ondas, verificando por si próprios o que significa um "banho frio", que "faz bem à saúde". Ela justifica-se com os meus argumentos, mas escusa-se a adoptá-los para si própria. As jovens mães de hoje compreendem a necessidade da disciplina e da contrariedade – mas já vão atrasadas para tomarem o caminho da felicidade.
in Domingo - Correio da Manhã - 8 Junho 2008
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