Do mês de Fevereiro às regras de vestuário
Todos os anos Fevereiro traz a chuva, o frio e o Entrudo. A máxima não é popular, mas aplica-se com propriedade a um mês tão cheio de susceptibilidades. A falar verdade, o Inverno verdadeiro, o Inverno de nome e renome, é o de Fevereiro, quando despontam – muito ao largo, muito ao longe – as primeiras ameaças de um desejo de Primavera. Só essa condição permite que um mês mais curto pareça verdadeiramente longo e interminável.
O velho Doutor Homem não gostava de Fevereiro e atribuía-lhe os defeitos do Entrudo, do Inverno e do frio – antes que chegasse a sua bem amada “meia estação”, o período em que um dândi à sua medida poderia usar o guarda-roupa mais sofisticado de todos os alfaiates da baixa portuense. Penso nisso por causa do cinema. Periodicamente, em noites que começam mais cedo, aproveito para rever alguns filmes que recordo da minha idade adulta ou da minha juventude (ambas se misturam com muita bonomia, uma vez que a família pensa que nunca tive juventude). Nessa altura, filmes dos anos quarenta e dos anos cinquenta, ou da primeira metade dos anos sessenta, os actores vestiam razoavelmente bem. Não era necessário frequentar Saville Row para o perceber. As fotografias de família ou os retratos de rua mostravam sempre um certo rigor no vestuário que, depois, desapareceu com a informalidade, as democracias e as estrelas do ié-ié.
Vestir “com certa razoabilidade” era uma regra seguida nesta velha família de advogados portuenses e de minhotos convertidos à parcimónia. As regras eram flutuantes, mas apreciáveis, com uma série de imposições para cada ocasião, para cada hora do dia e para cada estação do ano. Os ‘cardigans’ do velho Doutor Homem, meu pai, eram famosos quer no escritório quer em casa, usados no recado do seu ambiente de trabalho ou de recolhimento; mas nada nos impressionava tanto (éramos três rapazes atrevidos e vaidosos) como aquele cuidado ligeiro que fazia dele tanto um mestre de Cambridge (onde ele teve a ilusão de poder ter vivido, se fosse o inglês que nunca chegou a ser) como um boémio de Paris (o que acredito que chegou a ser). O Porto manteve sempre essa correcção que estava longe de ser considerado um acto de vaidade mas, pelo contrário, de respeito pela rua e pelos concidadãos, que não nos viam em chinelos e roupa por engomar.
Nesses filmes de outrora, funcionários discretos ou gente rica da América vestiam com uma elegância que ainda hoje me distrai da própria história que o filme conta. Todos sabemos que o hábito não faz o monge, mas ajuda bastante.
in Domingo - Correio da Manhã - 5 Fevereiro 2012
O velho Doutor Homem não gostava de Fevereiro e atribuía-lhe os defeitos do Entrudo, do Inverno e do frio – antes que chegasse a sua bem amada “meia estação”, o período em que um dândi à sua medida poderia usar o guarda-roupa mais sofisticado de todos os alfaiates da baixa portuense. Penso nisso por causa do cinema. Periodicamente, em noites que começam mais cedo, aproveito para rever alguns filmes que recordo da minha idade adulta ou da minha juventude (ambas se misturam com muita bonomia, uma vez que a família pensa que nunca tive juventude). Nessa altura, filmes dos anos quarenta e dos anos cinquenta, ou da primeira metade dos anos sessenta, os actores vestiam razoavelmente bem. Não era necessário frequentar Saville Row para o perceber. As fotografias de família ou os retratos de rua mostravam sempre um certo rigor no vestuário que, depois, desapareceu com a informalidade, as democracias e as estrelas do ié-ié.
Vestir “com certa razoabilidade” era uma regra seguida nesta velha família de advogados portuenses e de minhotos convertidos à parcimónia. As regras eram flutuantes, mas apreciáveis, com uma série de imposições para cada ocasião, para cada hora do dia e para cada estação do ano. Os ‘cardigans’ do velho Doutor Homem, meu pai, eram famosos quer no escritório quer em casa, usados no recado do seu ambiente de trabalho ou de recolhimento; mas nada nos impressionava tanto (éramos três rapazes atrevidos e vaidosos) como aquele cuidado ligeiro que fazia dele tanto um mestre de Cambridge (onde ele teve a ilusão de poder ter vivido, se fosse o inglês que nunca chegou a ser) como um boémio de Paris (o que acredito que chegou a ser). O Porto manteve sempre essa correcção que estava longe de ser considerado um acto de vaidade mas, pelo contrário, de respeito pela rua e pelos concidadãos, que não nos viam em chinelos e roupa por engomar.
Nesses filmes de outrora, funcionários discretos ou gente rica da América vestiam com uma elegância que ainda hoje me distrai da própria história que o filme conta. Todos sabemos que o hábito não faz o monge, mas ajuda bastante.
in Domingo - Correio da Manhã - 5 Fevereiro 2012
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