O fim da Internet nos areais de Moledo
Os filhos da minha sobrinha Maria Luísa queixam-se de que estão isolados do resto do mundo. Isso deve-se ao facto de estarem, não empoleirados nos muros esventrados da Ínsua, por exemplo, rodeados de mar diante de Moledo, mas pela simples razão de a mãe não estar disposta a chamar o técnico da empresa de internet. Assim, em Braga, há dois pré-adolescentes que sofrem as agruras dos antigos náufragos, observando o horizonte em busca de um navio salvador e deitando contas à vida enquanto não chega transporte. O transporte, segundo suponho, chama-se ‘internet’ e ‘televisão’.
Maria Luísa tentou explicar que uns dias de ‘normalidade’ não fariam senão bem, consagrando-os à leitura ao serão ou à obrigação de adormecer mais cedo.
Infelizmente, a ‘normalidade’ é, pelo contrário, a existência de internet e de televisão, os elementos essenciais da vida familiar. A minha sobrinha, a esquerdista da família, optou por encolher os ombros, mentindo ligeiramente, e justificando-se com a alta taxa de ocupação dos técnicos que marcaram a visita apenas para a próxima semana. Entretanto, aconselha as crias, exaustas de tanto silêncio ou de jazz como música de fundo, a recolherem-se mais cedo e a aproveitarem o tempo para se dedicarem a tarefas escolares. Infelizmente, é tarde demais para dar alguma ordem à existência.
Coisas catastróficas como o Facebook e os jornais online tomaram conta da vida das pessoas. Não há dia em que, folheando o jornal do dia, não haja alguém que me informe que já leu a notícia na noite anterior; este contra-senso é tão frequente que me interrogo sobre a necessidade mudar de hábitos em geral. Os jornais da manhã, por exemplo, perderam grande parte daquela importância decisiva que era a de despertarem a curiosidade e o apetite do leitor. A própria Maria Luísa me informa, sem alarme, que daqui a uns anos leremos os jornais preferencialmente no ecrã dos telemóveis, a qualquer hora do dia e da noite. Esta novidade trucida parte da minha existência, consagrada a armazenar surpresas e conhecimentos inúteis com a imprensa matutina e conformada com o facto, que nunca procurei desmentir, de que as notícias têm uma hora para fazerem parte da nossa vida.
Os filhos de Maria Luísa, por outro lado, nasceram numa época em que, ai de nós, tudo é notícia – e todas as notícias são de toda a hora. Diante do numeroso grupo de pessoas que acha isto um grande avanço para a humanidade, apenas um reduzido grupo de preguiçosos se mantém satisfeito nos areais de Moledo, gozando a breve interrupção do nevoeiro e imune às discussões sobre as taxas de juro.
in Domingo - Correio da Manhã - 29 Janeiro 2012
Maria Luísa tentou explicar que uns dias de ‘normalidade’ não fariam senão bem, consagrando-os à leitura ao serão ou à obrigação de adormecer mais cedo.
Infelizmente, a ‘normalidade’ é, pelo contrário, a existência de internet e de televisão, os elementos essenciais da vida familiar. A minha sobrinha, a esquerdista da família, optou por encolher os ombros, mentindo ligeiramente, e justificando-se com a alta taxa de ocupação dos técnicos que marcaram a visita apenas para a próxima semana. Entretanto, aconselha as crias, exaustas de tanto silêncio ou de jazz como música de fundo, a recolherem-se mais cedo e a aproveitarem o tempo para se dedicarem a tarefas escolares. Infelizmente, é tarde demais para dar alguma ordem à existência.
Coisas catastróficas como o Facebook e os jornais online tomaram conta da vida das pessoas. Não há dia em que, folheando o jornal do dia, não haja alguém que me informe que já leu a notícia na noite anterior; este contra-senso é tão frequente que me interrogo sobre a necessidade mudar de hábitos em geral. Os jornais da manhã, por exemplo, perderam grande parte daquela importância decisiva que era a de despertarem a curiosidade e o apetite do leitor. A própria Maria Luísa me informa, sem alarme, que daqui a uns anos leremos os jornais preferencialmente no ecrã dos telemóveis, a qualquer hora do dia e da noite. Esta novidade trucida parte da minha existência, consagrada a armazenar surpresas e conhecimentos inúteis com a imprensa matutina e conformada com o facto, que nunca procurei desmentir, de que as notícias têm uma hora para fazerem parte da nossa vida.
Os filhos de Maria Luísa, por outro lado, nasceram numa época em que, ai de nós, tudo é notícia – e todas as notícias são de toda a hora. Diante do numeroso grupo de pessoas que acha isto um grande avanço para a humanidade, apenas um reduzido grupo de preguiçosos se mantém satisfeito nos areais de Moledo, gozando a breve interrupção do nevoeiro e imune às discussões sobre as taxas de juro.
in Domingo - Correio da Manhã - 29 Janeiro 2012
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