domingo, dezembro 04, 2011

A agonia do capital financeiro em Moledo

A ideia de que “o capital é mortífero e cruel” não vem de Karl Marx mas dos conservadores de antanho, herdeiros do conciliábulo entre o trono e o altar. Hoje, desaparecidos o trono e o altar, resta a herança conservadora, incompreendida e destinada às traseiras do “pensamento político” como uma velharia que se conserva para os arquivos mas sobre a qual toda a gente tem dúvidas em apresentar às visitas ou em reservar-lhe um lugar de honra nas bibliotecas.

Um dos meus irmãos ouviu há tempos uma conferência no Porto (ou em Serralves ou na Casa da Música) e, passados uns meses, declarou que o autor de ‘O Capital’ não estava morto. A afirmação não requeria a certidão respectiva, e é semelhante aos anacronismos da Tia Benedita que, até ao fim dos seus dias, temia pelo regresso de Afonso Costa e das milícias republicanas, que viriam roubar as igrejas do Minho.

Convém lembrar que o dr. Salazar também comungava do horror ao capital financeiro, o que não fazia dele um discípulo de Marx; era, antes, o horror do bom filho beirão ao mundo dos ricos e do capitalismo, berço da imoralidade e da irreligião. O velho Doutor Homem, meu pai, detestava no antigo lente de Coimbra o que chamava “a vista estreita”, embora não conseguisse dissimular o seu desgosto pela “Saville Row de Santa Comba”, aquela amostra de alfaiataria simples e lúgubre, tão avessa ao seu temperamento de dândi. Mas o “horror ao capital” lá estava, tão determinado como desconfiado, produto do catolicismo e do mundo rural.

Acontece que essa desconfiança é antiga e histórica, assenta mais no pessimismo dos filósofos do que no optimismo dos economistas e financeiros, quase sempre injustificado e maioritário à esquerda, pelo menos desde que o século XIX escolheu a palavra ‘progresso’ como dogma. ‘Progresso’ e ‘capital financeiro’ andaram de mãos dadas até chegarem as depressões que destruíram fortunas e transformaram a vida das burguesias em parcelas dos balancetes contabilísticos. Mais uma vez, estavam certos os cépticos que, em vez de se arrastarem no foguetório da economia, reafirmavam que o dinheiro não chegava para todas as esperanças da humanidade.

Escrevo isto enquanto os pinhais de Moledo, habituados à intempérie, vêem chegar o novo Inverno. A minha sobrinha Maria Luísa, a esquerdista da família, acredita que a revolução está para breve. Por isso, agasalha-se com as leituras da minha biblioteca e murmura que “devíamos ser mais espirituais”. Ela não desconfia, mas está à beira do conservadorismo de outros tempos.

in Domingo - Correio da Manhã - 4 Dezembro 2011