domingo, março 14, 2010

Um sociólogo perdido no coração do Minho

A minha sobrinha Maria Luísa tem uma paixão de pelo menos duas décadas pela sociologia, uma ciência moderna a que atribui virtudes larguíssimas. No meu tempo não havia sociologia mas conhecíamos conceitos muito em voga, como “estatísticas” e “probabilidades”, que vinham da matemática. A sociologia, porém, suscita comentários elogiosos e quase apaixonados, o que contrasta com o cepticismo da família. O velho Doutor Homem, meu pai, admitia tratar-se de uma palavra que misturava, generosamente, ‘socialismo’ com ‘astrologia’. O velho causídico, mesmo tendo sobrevivido ao 25 de Abril, não chegou a conhecer o esplendor da Pátria, povoada de sociólogos.

Desta vez, Maria Luísa sucumbiu, indignada, à revelação – feita por sociólogos americanos – de que o “casamento moderno” tinha menos hipóteses de perdurar do que o “casamento à antiga”. A distinção entre uma e outra forma de casamento são-me relativamente indiferentes, uma vez que, como o leitor sabe, nunca provei o nem o mel nem o fel de qualquer das suas versões. Fui criado rodeado de casamentos tradicionais, à antiga, que terminavam com a viuvez – e, como qualquer pessoa do Porto que tivesse lido os livros de Camilo ou de D. Agustina, cercado de histórias sobre escândalos matrimoniais. Insensível aos benefícios, virtudes e vantagens do casamento, nunca entrei no número dos abençoados, o que fez de mim um monstro que também não conheceu a puericultura nem o maravilhoso mundo do relacionamento com as sogras.

Seja como for, parece que os sociólogos americanos concluíram que as pessoas que “coabitam” antes de se casarem têm mais probabilidades de chegar ao divórcio ao fim de, em média, cinco a dez anos. Maria Luísa acha que isto é propaganda reaccionária, servida nos tempos da igualdade de género, da pílula e da alimentação vegetariana. Lembrei-lhe que se trata de sociologia – e de sociologia feita por sociólogos. “Mesmo assim”, respondeu ela, lembrando que uma estatística é apenas uma estatística, e que uma estatística “não prova nada”. Achei uma boa estratégia: o facto de as coisas serem como são não significa que acreditemos nelas.

Não lhe relembrei os seus três casamentos mas esclareci que a sociologia não foi inventada por mim, que não confio em astrólogos. Há muitos anos que a infinita e menosprezada perspicácia da Tia Benedita, a matriarca reaccionária da família, se tinha adiantado aos sociólogos do século XXI. Mas o conceito de pouca-vergonha, que ela usava, não tinha aplicação científica. Eu sempre apreciei muito a imoralidade.

in Domingo - Correio da Manhã - 14 Março 2010