A vaidade de um livro
Não é todos os dias que um Homem abandona a sua província para se aventurar nos caminhos da Pátria. Desde 1985, quando me fixei em Moledo, que raras vezes tenho abandonado o perímetro do meu Minho. Ao contrário do meu Tio Alberto, que se enamorou várias e repetidas vezes de senhoras estrangeiras, e que por isso conhecia os melhores hotéis de Madrid, a cor do lago de Genebra, os sabores de Paris ou o odor do Mar Cáspio, eu segui o destino dos velhos Homem de antanho, que só conheciam ou o caminho para casa ou o mapa das deambulações do senhor Dom Miguel. Quis o destino que este Matusalém minhoto tivesse de esperar pelos oitenta anos para revelar a baixeza da vaidade e da pequena luxúria. Refiro-me à escrita. Deixei, enfim, de ter vergonha. É um pecado como qualquer outro, mas não se pode fazer nada contra o pormenor.
Quando em Janeiro passado o Dr. Octávio Ribeiro me convidou a escrever no seu jornal, levou-me a jantar num restaurante onde não ia há mais de cinquenta anos. Na mesma sala, nessa noite longínqua, o velho Doutor Homem, meu pai, recomendou-me que me divertisse (eu partia para o Brasil no dia seguinte) e não esquecesse a gramática. Tenho tentado, rodeado de livros, plantas e um país que já não conheço.
Com este livro, os velhos Homem de outros tempos coraram nos seus jazigos – mais uns tempos e seríamos democratas e acompanharíamos, com o pé, o ritmo do Hino da Carta.
Agradeço a todos. Se o livro tivesse de ser dedicado a alguém, escolheria duas pessoas (além do velho Doutor Homem, meu pai, da Tia Benedita, que ao longo de oitenta anos nos protegeu do bolchevismo, da devassidão moral e do fantasma de Afonso Costa, ou do Tio Alberto, o bibliógrafo e gastrónomo de São Pedro dos Arcos). Falo da minha sobrinha Maria Luísa, leitora fiel e hóspede quase permanente de Moledo, a única esquerdista que sente alguma ternura pelo miguelismo da família. E falo de Torcato Sepúlveda, um jornalista que tive o prazer de conhecer durante um almoço nas margens do Minho. Descobrimos, ao mesmo tempo, que éramos leitores de Camilo e, provavelmente, os últimos portugueses a ter lido o Minho Pittoresco ou o Tristram Shandy. Infelizmente, a morte sabe onde nos vir buscar, mesmo que não estejamos preparados.
No resto, para além da vaidade de um pobre velho do Minho, resta-me esperar que a leitura do livro sirva de consolação a alguém que o leia. Tal como o iodo de Moledo.
in Domingo - Correio da Manhã - 29 Junho 2008
Quando em Janeiro passado o Dr. Octávio Ribeiro me convidou a escrever no seu jornal, levou-me a jantar num restaurante onde não ia há mais de cinquenta anos. Na mesma sala, nessa noite longínqua, o velho Doutor Homem, meu pai, recomendou-me que me divertisse (eu partia para o Brasil no dia seguinte) e não esquecesse a gramática. Tenho tentado, rodeado de livros, plantas e um país que já não conheço.
Com este livro, os velhos Homem de outros tempos coraram nos seus jazigos – mais uns tempos e seríamos democratas e acompanharíamos, com o pé, o ritmo do Hino da Carta.
Agradeço a todos. Se o livro tivesse de ser dedicado a alguém, escolheria duas pessoas (além do velho Doutor Homem, meu pai, da Tia Benedita, que ao longo de oitenta anos nos protegeu do bolchevismo, da devassidão moral e do fantasma de Afonso Costa, ou do Tio Alberto, o bibliógrafo e gastrónomo de São Pedro dos Arcos). Falo da minha sobrinha Maria Luísa, leitora fiel e hóspede quase permanente de Moledo, a única esquerdista que sente alguma ternura pelo miguelismo da família. E falo de Torcato Sepúlveda, um jornalista que tive o prazer de conhecer durante um almoço nas margens do Minho. Descobrimos, ao mesmo tempo, que éramos leitores de Camilo e, provavelmente, os últimos portugueses a ter lido o Minho Pittoresco ou o Tristram Shandy. Infelizmente, a morte sabe onde nos vir buscar, mesmo que não estejamos preparados.
No resto, para além da vaidade de um pobre velho do Minho, resta-me esperar que a leitura do livro sirva de consolação a alguém que o leia. Tal como o iodo de Moledo.
in Domingo - Correio da Manhã - 29 Junho 2008
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